Um excerto de Sergio Maciel
Sergio Maciel (1992) é um dos editores da revista escamandro, além de mestrando em Letras Clássicas, debruçando-se mais especificamente sobre a obra teatral de Sêneca, e autor do livro ratzara (Dybbuk, 2017). Como tradutor, participou da tradução a dez mãos do livro Aristóteles ou o vampiro do teatro ocidental (Cultura & Barbárie, 2018), de Florence Dupont, e verteu ao português a peça Os deuses e os cornos (Editora UFPR, no prelo), do dramaturgo catalão Alfonso Sastre. Teve poemas publicados em diversas revistas, como Modo de usar & co. e Enfermaria 6, onde consta uma plaquete sua publicada em 2018 sob o nome Tanta vez o cântaro vai à fonte.
O excerto abaixo integra o livro esta casa malsã (edições macondo).
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mensageiro. o ódio marimbondo atiçado
não é só comichão de vermelhos
o levante se ouve a todo canto
a ira encapa o corpo do combate
quarenta cães de caça ao mandatário
três porcos sem nome de guerra
grunhido pra família é substantivo macio
quem está no campo a essa hora
não volta com a notícia
etéocles. eu quero bem ser um deles
e compartir suas covas
mas você
você já está inscrito na lista dos banidos
polinices. que reine
sobre o ódio dos súditos
etéocles. saber reinar é não temer o ódio alheio
o mesmo deus que assenta as bases do mundo
dá à luz num só tempo e mesma carne
os siameses poder e ódio
creio um grande rei faz seu trono sobre o ódio
o amor dos seus é um freio ao poder absoluto
polinices. um rei odiado pelo povo não resta muito no poder
etéocles. filosofar sobre o poder cabe àqueles que reinam
suas reflexões servem ao exílio
jocasta. parece que amei mil vezes
e mil vezes o amar falhou
eu não posso te ouvir não
posso parece dizer o amor
você nos queima você disse
mas só terra areia e pedras
parecem estabelecer relação
mais clara de desejo
por meu corpo ainda cru
etéocles. que importa o preço
poder nunca é custo
coro. entre árvores nuas
privação de paisagem
a morte aponta suas pétalas
polinices. à gente ávida nunca basta o ganho
amarelenta a bílis devora a gruta dos olhos
evapora sob o sol toda nuvem do razoado
achava que o amor
pudesse domar
o solo e a selva das ambições
reinar sobre o nefasto dos homens
quiçá refazer
tebas a partir do breu
e na orquestra das semelhanças
dar acabamento à base de pés pauladas
e facões às tropas da praga
e assim sem susto sem doma
urdir a semeadura desta campina
limpa
serena
sarapintada de bois
novas colhidas se apresentariam
nos matos da cidade
mas rumina na espiral negra a própria negação
e na carestia só morte lenta me oferta etéocles
o corpo todo em formigamentos
à espera de tocaia
etéocles. a justiça se dá pelo torto do homem
dos deuses o grande castigo é o silêncio
bem se atreve polinices dizer de amores
quando na ira nem na ameaça é menor
dúbio então de qual guerra
coro. semelhante é o retrato dos irmãos
os corpos sob armas
a férrea trama roça
uma selva de fúrias rompendo dos ombros
e o peito afeiçoado ao lobo enovela-se
em carapaça de cabra
diz-se que aos viris nada é infértil
se honrado é na descendência
mas minguando a fortuna
não acrescem brios à força
na várzea vazia
vê-se a azinheira dos afetos
definhar
a mãe adormece
um filho gera sua falha
ao campo segue
o pai regressa o estertor
à família
resolve-se a contenda entre unhas
que desenham os laços da carne
rende-se o rebelde assim
o dedo em riste desgasta-se até o fêmur
derrama-se o óleo em tudo antes do incêndio
há de romper-se a cobertura
logo
e de costume
o destino dos povos dá-se aos porcos
polinices. seus substantivos mancam a língua
sob o veludo das vogais
reina o rastro da lorota
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