5 poemas de Clarissa Macedo
Clarissa Macedo (Salvador – BA), licenciada em Letras Vernáculas, mestra em Literatura e Diversidade Cultural, doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior (Espanha, Cuba, dentre outros). Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou a plaquete O trem vermelhoque partiu das cinzas (Pedra Palavra, 2014) e os livros Na pata do cavalo há seteabismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 7Letras, 2014; em 3ªreimpressão pela Penalux, 2019; traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, editorial Polibea, Madrid, 2017) e O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição (Ofícios Terrestres, 2019). Integrou, em 2018, o Circuito de Autores do Arte da Palavra, promovido pelo SESC. É a idealizadora/organizadora do Encontro de Autoras Baianas – Marcas Contemporâneas. Contato: clarissamonforte@gmail.com.
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Rito
Sou uma tripa de pedras
que se escoam na ciclovia
das aves a morder o tempo
e seu desvão de tique-taques
uma esfinge que choraminga
sem oráculo e sem os cactos
que não dormem;
tudo o que vive
é esta parede sem reboco
que observa, vigilante,
a goteira da sala
e se confunde com meu choro
a tomar as unhas, os canos
o cimento da massa;
quatro cantos
e os signos do calvário.
*
Atentado
a bomba de Hiroshima
já não serve
as bombas novas
marcham no país
e assustam esquinas
que me dilaceram
a máquina de soda
e batata frita
disputa créditos de um cartão
compra cifras e hemisférios:
pelo poder do sangue
de donald
um deus inventado
que santifica sua ira
pelo bem, do povo
do capital, amém, graças.
*
Imposto
as notas no meu bolso
caminham trágicas para o fim
mal compro o leite – preciso de cálcio
(não deu para as frutas, o colesterol como as nuvens, essa barba dos céus)
as moedas riem da minha cara, essa mesma cara com um sanatório nos olhos,
e vão embora até o próximo mês: o tempo da jaula que me toca.
um ofício, esse de enganar muitos por alguns
nessas coisas de matar ou morrer.
*
Orfandade
A vida é um hospício
uma chaminé de tempo
e ermo, um grito de fumaça
na igreja do século
Camisas no assoalho
denunciam garras nas algemas
uma cúpula do nunca
um dogma de pé descalço
Sujas, as mãos cansaram
de esperar, de buscar
uma pia em que a água
seja mais que silêncio,
onde a espuma crave
menos que espinhos
e ofereça o caos do iluminado.
Neste manicômio de voltas e areia,
fechar os olhos não convence.
*
Profanação
lamber a carne
mastigar o osso
violentar o tempo
dos olhos e do rosto
triturar a cripta
do sangue e das mãos
derramar o ódio
nos pés e nas ruas
navalhar o nome
cuspir à cara
decepar os cabelos
invadir até os dedos
sujar o corpo e a alma:
tudo rotundo, medido a jato
no traje da sobrevivência
que teima frente ao terror
de 30 armas
que não sabem ouvir “não”.