Seis poemas de Aline Nobre
Aline Silva Nobre é Cearense, Engenheira Sanitarista e Ambiental e Poeta. Desenvolve trabalhos na área de Meio Ambiente em municípios do Sertão Central Cearense. Publicou textos em antologias, blogs e jornais. A maioria de suas obras foi editada de forma independente. Tem se aventurado nas colagens manuais e digitais e descobrindo uma forma além-palavra de se expressar. E, dizem as outras, sorri enquanto dorme.
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a bisavó que pouco sei
uma fotografia em preto em branco de uma mulher preta
numa carteira de trabalho que jamais foi assinada
com um carimbo garranchudo que gritava
ANALFABETA
o nome dela é maria
a bisavó que pouco sei
a minha cara noutra cara
que eu nem mesmo conheci
é o meu franzir de testa
estampado no seu rosto
e aposto:
é minha letra que ela não soube escrever.
*
lista de compras
– um alicate de unhas, para cortar os excessos
– um adstringente potente, para remover os encraves
– uma pomada de manchas, para sarar cicatrizes
– um sabonete de côco, para lavar minhas mágoas
– um chocolate ao leite, para adoçar o domingo
– sete cadernos sem pauta, para anotar a rotina
– três maçãs argentinas
– vinho tinto suave
– queijo coalho do dia
– um martini rosé
ps: embrulhar tudo com cuidado em caixa dura. não posso deixar quebrar item algum. cada produto é essencial para manter sã essa eu que só sente.
*
bailarina
uma bailarina em pele de lobo
finalmente descobrindo que sabe dançar
em pele de lobo
mas bailarina
violenta por circunstâncias
carregada de cicatrizes
e arredia por tanto medo
delicadeza fugaz
uma bailarina
com toque bruto de raiva
com pés que querem fugir
e que só ouve repetidamente
aquela canção de adeus
aprendendo que sua pele de lobo
já não lhe dar movimento
mas a protege e aquece
e a afasta das armas
que lhe apontam com olhos
os quem não sabem bailar
*
lua cheia em áries
eu te mostrei a lua
pra poder te olhar
naquele momento certeiro
enquanto você avistava a beleza mais linda do céu
eu avistava a beleza mais linda da terra
*
Feito mar
nas noites em que
transbordo
ardo
e amo
amanheço feito mar
alago
e meus cabelos-onda
te chamam
pra nadar em mim
*
quarto
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão
estudo, trabalho, namoro, relaxo
como, durmo, choro e canto
tudo no mesmo canto
entre quatro paredes amarelas
entre uma janela com grades e uma porta trancada
eu vivo
vivo?
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão
aqui eu voltei a escrever poemas à mão
aqui eu agora armo uma rede pra ler
aqui eu reflito se quero morrer
reflito se a morte ou a vida me bastam
eu morro
ou preciso viver?
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão
eu trouxe três plantas
para não ser sozinha
eu comprei mais livros
para não ser sozinha
eu voltei a tocar violão
para não ser sozinha
ou foi para
ser sozinha?
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão
o ar que respiro
é o que sai da minha boca
a boca que eu beijo
é somente a minha
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão
para que eu continuasse cabendo
quando estou em plena expansão
ou explosão?
não sei das respostas
só sei que
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão
dá pra sentir até
no espelho
que agora – amigo –
me fita
e
na elasticidade
deste novo do chão
que
o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão.