Árvore rebelde: uma homenagem à Marília Beatriz Figueiredo Leite
A curadoria Árvore rebelde é uma homenagem à escritora Marília Beatriz Figueiredo Leite (1944/2020). Com rebeldia e maestria, Marília Beatriz escreveu como quem se arrisca em dias de forte chuva no Cerrado. Ou mesmo como quem sentiu, em palavras, o vento despontar horizontes. Celebramos a Árvore rebelde que ficará arraigada em nossa memória e todos os frutos semeados e colhidos do sopro de vida ofertado. Os poemas selecionados foram retirados da obra “Agudas ou crônicas” (Carlini & Caniato, 2019).
Marília Beatriz Figueiredo Leite foi poeta, dramaturga, professora universitária e crítica literária naturalizada mato-grossense. Autora de “De(sign)ação: Arquigrafia do Prazer” (2017, Annablume), “Viver de Véspera” (Carlini e Caniato, 2018), “Agudas ou crônicas” (Carlini & Caniato, 2019) e “Corte de vinho” (Carlini & Caniato, 2019), entre outros. Era membro da Academia Mato-Grossense de Letras.
Imagem destacada: Poema visual “Sagrado é tempo de espera [Para Marília Beatriz]” de Ruth Albernaz (2020).
Seleção afetuosa de Lívia Bertges
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A calma que deixa de ser vindoura
Que chegue, como a morte,
Ah, em domingo, quinta ou segunda-feira!
Tardes e noites quentes
Em um céu povoado
De estrelas com identidades
Despudoradas
Em roupas sedutoras
E por milhões de tempos
em ventos canções.
*
Por isso ouve bem:
A cada manhã
E pelo anoitecer
Lavo o rosto meu das noites
Amanheço, assim, livre da lua
Caracterizo, em ato público, o anoitecer/ AMOR.
*
E atiro meu olhar
Lanço meu visor na vastidão
E naquele espaço
Eis a horizontalidade.
*
Caminho
Preciso é chorar
Deixar que o rio me lave
Bater o pé lamuriando
Rodar na calçada
E me negar a caminhada
Que os outros me apontam sem ir.
*
Há braços que esperam passarinhos
Como ramos
Enquanto carinhos
Solicitam planos.
*
A resposta do vento é:
“Árvore rebelde”
E isso todo mundo sabe.
O que a gente desconhece
É o que o vento realmente pensa da árvore
Balançando, gingando…
Desafio? Sedução?
*
Chega de muito longe a chuva
Devagar bem de mansinho
Trazendo a emoção
Depois desintegrando
Cai em golpes lentos
Pingos pesados, pesados risos
Água forte
De infinita e adversa calma
Atravessa a ponte/alma
Arrumando o coração.
*
Sagrado é tempo de espera
Secreto é coisa de escuta
Sagrado é momento de fala
Secreto é espaço de espreita
Sagrado é a vigilância
Secreto é alma de guardião.
*
O tempo me olha
Querendo guardar segredos
O espaço me abraça
Na súplica da amplidão
Sagrada!
ROZANa Gastaldi Cominal
Homenagem comovente!