A arte dos encontros em “Entre amoras e amores” de Chris Herrmann
O texto a seguir foi escrito por Divanize Carbonieri a respeito do novo livro de contos de Chris Herrmann, Entre amoras e amores: quando os desencontros são mais doces, que será lançado hoje, dia 23 de julho de 2020, às 16h (horário de Brasília) no Facebook (https://www.facebook.com/entreamoraseamoresch/).
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A arte dos encontros em Entre amoras e amores de Chris Herrmann
Entre amoras e amores de Chris Herrmann trata da arte dos encontros. Ou, como quer o subtítulo, dos desencontros que acabam se transformando em doces surpresas. É impossível não se identificar com pelo menos algum dos seus cinquenta minicontos, tão próximos estão das vivências cotidianas da maioria das pessoas. As personagens parecem ser de carne e osso, experimentando situações bem semelhantes àquelas que acontecem conosco ou com quem conhecemos.
O mote, em todas as narrativas, é a presença das amoras, palavra que é um par mínimo para amores e que, em gíria corrente, tem sido inclusive utilizada como seu “feminino”. Em relação à fruta em si, chama a atenção a cor, vermelha, também popularmente associada ao amor. Essas amoras surgidas nas tramas delineadas por Hermann são sinaizinhos vermelhos que indicam para as leitoras que, a partir dali, as circunstâncias das personagens serão alteradas para melhor. Em outras palavras, são importantes pontos de virada em suas trajetórias.
Lucinda, de “O elevador que enleva”, nem tinha realmente escolhido as amoras no hortifrúti. Seu alvo eram os morangos, assim como sua vontade manifesta também era não manter mais relacionamentos amorosos. Porém, um lapso a fez trocar as frutas e, mesmo tomando ciência disso no caixa, decidiu não voltar ao plano inicial. Esse pequeno detalhe, aparentemente sem importância para o enredo, na verdade, sinaliza que a personagem, ao contrário do que pensa, está aberta ao inesperado. Quando mais tarde encontra um antigo amor da juventude no elevador, ela também se revela receptiva, descortinando para si “um futuro promissor”.
“Manoel vai às compras” se desenrola num cenário similar, o supermercado, o que reforça a ideia de que as narrativas de Hermann acontecem em espaços corriqueiros do dia a dia. Ao contrário de Lucinda, Manoel seleciona as amoras conscientemente, mas para fazer um doce recém-aprendido na internet. A novidade ainda se dá no próprio fato de estar fazendo compras, coisa que normalmente deixava a cargo da mãe e da irmã. Mais uma vez, a abertura para o novo, ainda que pareça mínima, possibilita que o protagonista encontre um amor, uma linda moça que acidentalmente esbarra em seu carrinho.
As amoras podem aparecer até mesmo indiretamente, como em “Jesus e a Virgem Maria”. Nesse caso, não é de fato a fruta que faz diferença na vida das personagens, mas um filme, cujo título acaba servindo de paradigma para a função desse motivo em todos os minicontos do livro: “O milagre das amoras”. Durante a sessão de cinema, Jesus toca em Maria pela primeira vez e já é alertado pela moça que qualquer coisa mais intensa só seria possível depois do casamento. O rapaz, avesso a tradições desse tipo, fugindo da ideia da mãe de fazê-lo padre, aceita a condição da namorada, o que o direciona, de forma diferente, a um destino sacramentado.
Entre amoras e amores apresenta narrativas tão deliciosas quanto a própria fruta que lhe dá nome. Humor e leveza se destacam como elementos principais para tratar das histórias de personagens que estavam fechadas para o amor e que desabrocham a partir do contato com o inesperado. A semelhança entre palavras, nomes e expressões (que já marcava o título) continua a ser explorada por todo o livro de forma inteligente e divertida: “o resto é história e dois filhos lindos do casal Januário feliz e Rosana nas alturas”; “a vida daqueles dois passou a ser de dois passarinhos apaixonados que, certamente, teriam inspirado versos de Manoel de Barros, não dos esbarros”; “o pão francês era alemão”. Com tal caráter leve e lúdico, Entre amoras e amores pode ser lido por diferentes tipos de pessoas, de faixas etárias e formação diversas, levando-as ao mesmo tempo a refletir, quase sem sentir, a respeito dos encontros e desencontros que caracterizam as vidas humanas.
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Trecho selecionado:
O elevador que enleva
O prédio onde Lucinda residia era antigo. Seu apartamento ficava no quarto andar de um edifício centenário e o elevador vivia enguiçando. Um aborrecimento para todos, principalmente para os moradores dos andares mais altos, como ela. Por isso, dava preferência a subir e a descer pelas escadas. Lucinda era uma bela quarentona, divorciada e sem filhos. Trabalhava numa casa lotérica do mesmo bairro onde vivia. Ficava feliz em poder alimentar os sonhos alheios, já que os seus abandonara há tempos. Acostumou-se à solidão. Tinha poucos amigos e conversava muito pelo telefone com sua mãe que residia em outra cidade. A rotina de Lucinda ditava sua vida. Não gostava de receber cantadas ou investidas do sexo oposto. Não gostava de surpresas. Tudo parecia em seu devido lugar enquanto ninguém pegasse no seu pé. Não acreditava mais no amor à primeira nem à décima vista.
Numa sexta-feira treze, Lucinda saía do trabalho lembrando que precisava passar no Hortifrúti. Na hora de pagar, observou que trocou morangos por amoras, mas resolveu deixar assim, porque ”não fazia muita diferença”, pensou. Na verdade, estava com pressa de ir para casa descansar e ficar na sua paz.
Chegou na portaria do prédio com duas bolsas pesadas. O porteiro ofereceu ajuda. Ela recusou educadamente e dirigiu-se em direção ao elevador “gagá“ (como costumava chamá-lo). Não estava contente com a ideia, mas subir as escadas com aquele peso, “nem pensar“! Logo atrás dela, vinha um homem muito simpático que a abordou: “Você não é a Lucinda que estudou comigo no Colégio Santa Mônica? Eu sou o Adevaldo. Você se lembra de mim? Eu vim visitar minha mãe que mora aqui no sexto andar. Eu me divorciei faz ano! E você, trabalha aqui perto? Se casou?”
O tempo parece ter congelado. Adevaldo foi o grande amor da sua juventude, mas outra o havia conquistado primeiro. Enquanto se lembrava daquele tempo, as amoras caíam no chão. Adevaldo ajudou a catá-las e pediu para carregar as bolsas. Entraram no elevador, que também parou entre o terceiro e o quarto andar. Mas eles nem perceberam e continuaram conversando uma eternidade sob o perfume das amoras e de um futuro promissor.
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Chris Herrmann é musicista, editora, escritora/poeta carioca, radicada na Alemanha desde 1996. No Brasil, estudou Literatura, Música e Webdesign. É pós-graduada em Musikgeragogik na Alemanha. Organizou e participou de várias antologias de poemas. É autora dos livros de poesia Voos de Borboleta, Na Rota do Hai y Kai, Gota a Gota, Cara de Lua e dos romances Borboleta – a menina que lia poesia e Peccatum. Colabora e tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Algo a Dizer, Zona da Palavra, Blocos Online, Revista Plural – Scenarium, Mallarmargens, Germina, entre outras. Criou a revista Ser MulherArte, da qual é editora.
Esther
óTIMA RESENHA! dEU VONTADE DE LER O LIVRO, DE TEXTO MUITO FLUIDO, PELO QUE SENTI! PARABÉNS, dIVANIZE E cHRIS! 😉