A Batalha de Shangri-lá – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê. A coluna irá ao ar sempre no último domingo do mês.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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A Batalha de Shangri-lá (1:39:11), de Severino Neto e Rafael de Carvalho – 2019.
A Batalha de Shangri-lá é um longa de ficção da dupla Severino Neto e Rafael de Carvalho, lançado no Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, que ocorreu no Cinesesc de São Paulo entre 13 e 20 de novembro de 2019. E destaque também no Festival de Brasília 2019.
A produção intriga desde o título. E um dos sentidos possíveis é pensar que a palavra batalha represente a luta do protagonista para encontrar e se conectar à mãe e assim a sua história, seu passado, sua ancestralidade. E é na continuação da frase-título que parece residir o maior paradoxo do filme, pois se Shangri-lá a princípio significa sua imersão no lugar paradisíaco, onde o tempo se detém em ambiente de felicidade e saúde e de convivência harmoniosa entre pessoas das mais diversas procedências, quando ele finalmente conhece sua mãe e descobre porque ela o abandonou, tudo isso se torna mais distante e tenso.
Para quem não é de Cuiabá o título pode ser ainda mais enigmático, ou exótico como coloca Bruno Carmelo em sua crítica no site Papo de Cinema, já que as pessoas que não conhecem a capital mato-grossense também desconhecem a existência do bairro chamado Shangri-lá, no qual a mãe biológica do protagonista mora. Nesta fusão entre realidade e ficção é como se realmente ela fosse o “horizonte perfeito de João”.
O longa é um drama, que perpassa diversas questões humanas, especialmente as ligadas ao âmbito familiar (relações parentais e conjugais). Conta a história de João (interpretado por Gustavo Machado), um homem de classe média alta, executivo bem-sucedido do agronegócio, hétero sexual, casado e pai de uma menina, que foi deixado para adoção logo após nascer e foi adotado por uma família abastada. Ele também enfrenta um sério problema de saúde, denunciado pela tosse constante e ingestão de remédios. Apesar de se tratar de um drama, o tom que mais se evidencia é o de suspense, a começar pela música, prosseguindo pela condução da trama, pelo trabalho de iluminação e pela montagem.
A narrativa prende a atenção sobretudo, pela forma homeopática de como as informações sobre o passado de João vão sendo disponibilizadas ao espectador. O roteiro, fruto da participação de Severino Neto (que além da direção assina o roteiro) na 13ª edição do concorrido Ibermedia (programa de incentivo à co-produção de filmes de ficção e documentários realizados na comunidade Ibero-Americana) e premiado no edital de produção da Ancine/FSA, tem um caráter tradicional, mas funciona e empolga principalmente da metade para o final, em que o filme ganha mais dinamicidade.
O silêncio é algo importante na construção do clima e até mesmo da trama. Ele produz no desenrolar, uma sensação de incerteza, que persegue o espectador praticamente do início ao fim.
As interpretações são precisas e conseguem conduzir muito bem a atenção do público. Destaco aqui a atriz local Tatiana Horevitch, que vivencia a esposa de João, mulher amável e determinada, terna e sagaz. Além da breve participação de Carlão dos Bonecos, como recepcionista do hotel da cidade fictícia de Horizonte do Norte, sua fala breve, curiosa e reticente parece prenunciar os inúmeros mistérios e segredos guardados naquele local.
Enfim, a Batalha de Shangri-lá representa uma, das muitas batalhas em busca do horizonte perfeito que qualquer ser humano almeja, o horizonte da liberdade de escolha e de expressão. São histórias tensas, mas que precisam ser contadas, para que mais e mais Madalenas por aí não tenham vergonha de suas escolhas e não precisem guerrear para se libertar.