A escrita como ferramenta para materializar o que flutua
Camila Rodrigues, é Psicóloga e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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A proposta inicial idealizada por Abayomi que nos convidou a bordo era de visibilizar e estimular a produção literária local. Regionalmente, o Centro-Oeste já sofre um certo tipo de apagamento e de maneira mais específica, o estado de Mato Grosso em si raramente alcança uma visibilidade para além das próprias fronteiras.
Acreditamos, bem, eu acredito que a nossa história local, tão particular e atravessada por belezas e dores, deve produzir algum tipo de imaginário, de pensamento e de ação que vale a pena ser escrito e lido. Portanto, estamos pensando tanto nos e nas autoras conterrâneas quanto nós leitores e leitoras que podem ter acesso ao saber e a sabedoria que produzimos por aqui. Por aí já dá pra perceber que esse território nos afeta de maneira muito particular – ou que acolhemos a afetação que nos chega.
O caráter independente nos permite dialogar e valorizar muito mais o conteúdo que, necessariamente, o alcance das publicações, tratando-se também de uma iniciativa pioneira e necessária de valorização do conhecimento produzido por pessoas negras, conhecimento este que vem sendo produzido secularmente e é silenciado, apagado ou apropriado indevidamente. Quando penso sobre escrever entendo que, entre muitas coisas, se trata de um processo de materializar algo que flutua, dentro e fora daquele ou daquela que escreve.
Nesse sentido, tenho chegado à conclusão de que toda escrita envolve diretamente a afetividade. Seja através de afetos – uns prazerosos e outros nem tanto – pelo processo, pela motivação, pela publicação… seja através daquilo que nos afeta. Pensar sobre o que eu sou no mundo é o que mais me afeta e são esses afetos que tornam possíveis a materialização do que é flutuante em mim. Muitas de nós tem muito a dizer sobre muitas coisas e não se sentem autorizadas a fazê-lo; passamos muito tempo caladas, e muitas de nós duvidam da ferocidade e beleza da própria voz; a força sobre-humana que nos é exigida nos torna exigentes e incapazes de validar, acreditar e se apaixonar por aquilo que nós mesmas produzimos.
O convite que queremos fazer então é de que sejamos capazes de descrever, narrar, inventar, reconstruir o mundo (fazer o que quiser dele!) de uma das várias maneiras possíveis que é a escrita, porque temos certeza que este mundo precisa disso.