A musicalidade poética de Farley Rocha – Por Joe Sales
A coluna “Divagações de Joe” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna) foi criada por Joe Sales [Rondonópolis/Mato Grosso, 1991]. Poeta, professor de Língua Portuguesa e mestre em Estudos de Linguagem. Publicou cinco livros de poemas pela Editora Penalux: Porta Estreita (2014), Ao passo das horas e outro descabimentos (2015), Criticepopular (2015), Largo do amanhecer (2017) e Pelas luas: a mesma encruza (2019). Possui participações em várias antologias nacionais. Atualmente, desenvolve o projeto “leituras clandestinas” em que vozes convidadas dão vida aos contos do livro Clandestinamente.
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O poeta é quem sente, mas também quem escreve aquilo que sente. Farley Rocha de Souza, conhecido no cenário lírico como Farley Rocha, toma parte desse conceito e produz seus versos com muito afinco, levando em consideração o cotidiano, a musicalidade e outras experiências que se adensam em sua escritura.
Nascido em Espera Feliz – Minas Gerais – no mês de setembro de 1982. Em seus poemas a identidade mineira aparece marcada e, como me disse o próprio poeta, aprendeu a tomar gosto por essa consolidação a partir dos versos de Carlos Drummond de Andrade; já em Manuel Bandeira encontrou gosto pela concisão lírica.
A descoberta da poesia deu-se na adolescência por meio da música e mais tarde inspirado pelos autores citados resolveu se enveredar pelo caminho do verso. Sua primeira obra foi publicada aos 27 anos, Mariposas ao redor (2011), de onde extraio o primeiro poema para ilustrar sua expressão:
Momentos em versão acústica
Saber tocar a vida
como se toca gaita,
flauta, um som qualquer.
Pelas avenidas
imaginar baladas,
ouvir pelas esquinas
a música passar
como fanfarra.
Imaginar o toque doce do sopro
do vento
nas janelas.
E por assim dizer,
até os casarões soariam sonoros.
A musicalidade ressoa forte na versão acústica da própria vida observada pelo poeta Farley. Não é pretensão minha tecer uma análise dos versos, mas sim apresentar a sutileza de sua poesia. Outra interlocução presente na escritura do poeta é com o poema concreto. Os irmãos Campos e até mesmo Ferreira Gullar, que realizou o movimento neoconcreto, são fontes para as palavras do poeta. Vejamos:
[ovião]
Em ovião, temos um exemplo nítido do que citei acima e ainda trago uma fala do poeta que ajuda a ampliar a beleza desses versos. Segundo Farley, seu fascínio pela poética de Gullar se dá pela capacidade de dialogar com outras linguagens. O poema de Gullar, nesse sentido, não seria apenas o poema, mas também um retrato, um filme, uma canção, num constante processo de vir-a-ser; seu ovião é exatamente isso. A imensidão da ave no céu nos traz a imensidão da própria linguagem que no terreno lírico que se expande, se transforma, trapaceia. E para fecharmos esta breve excursão pela poética de Farley destaco:
Arqueologia
Desconstruir a palavra
como quem desmonta
a máquina da gramática
página
a
página.
Dividir a voz de suas sílabas
e letras
ao desarticular a ortografia
dos fonemas.
Gastá-la à lixadeiras
até à nudez total dos temas
de modo que das desinências
não restem nem vogais
radicais
ou morfemas.
Apagar dos livros a palavra escrita
a pronúncia nos áudios de entrevista
desintegrar a palavra falada
a sequer pensada
a inconcebida.
Buscar a ideia ágrafa
afônica à linguagem dos homens
ancestrais
a presente na sintaxe primária
no grunhir dos Neandertais.
Escavar no subsolo calcário
do pensamento
o verbo fossilizado nas pedras
quando seres antigos das cavernas
pigmentavam sentimento e vida
porque ali, estampada na rocha
entre fendas e ferramentas remotas
descobriu-se a poesia.
Por fim, o que podemos ler em Farley é a busca constante pela poesia que está entranhada na vida, na canção, na imagem, no silêncio, no recôndito de nossas palavras. Nesse lugar a busca também não finda, pois, a poesia nos leva além, muito além como já disse Paulo Leminski. Encontramos em Farley caminho para a imensidão; um caminho acústico, mas um caminho que nos incita a desmontar “a máquina da gramática”. Vale destacar que a produção do poeta é concentrada num labor que por coincidência se dá num fluxo temporal de dez anos. Esse é o tempo que conta cada obra realizada. Com muita estima e apreço por sua poética, recomendo aos leitores o contato com seus versos que nos trazem afago e reflexão.
É possível entrar em contato com o poeta por meios de suas redes: Facebook e Instagram. Também se acessa crônicas e outros textos do escritor em sua coluna.