Aí é só deitar, “balangar” e ver os passarinho “avuar”… – Por Aline Wendpap
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Redeiras – Tecendo cultura com arte e tradição (Doc. 16:21 de Tati Mendes). MT, 2021.
Figura 1 – Redeiras da família Lemes e a cineasta Tati Mendes
Contemplado pela Lei Aldir Banc, que deu vigoroso impulso à várias linguagens e manifestações artísticas do estado, o documentário “Redeiras” da cineasta Tati Mendes é um exemplo de como uma coisa pode estar atrelada a outra.
Explico: para além de ser uma obra em si, o documentário evidencia o processo poético da confecção de redes cuiabanas, pelas mestras tecelãs da família Lemes, oriundas da comunidade de Limpo Grande, bairro de Várzea Grande (MT), que como explica a jornalista Miriam Botelho (2003) tem a tecelagem como sua arte mais expressiva.
Desde 2003, quando a matéria de Miriam foi publicada pelo jornal Diário de Cuiabá, as reivindicações das redeiras continuam praticamente as mesmas, elas alegam: “falta de divulgação do ofício, falta de valorização da profissional. [falta de] Novos espaços para mostrar o trabalho, maior divulgação na mídia, e é claro receber pelo trabalho”. Daí a relevância do documentário de Tati Mendes, que trouxe esse saber ancestral para a cena contemporânea da arte mato-grossense. Visto que, após o lançamento do filme as artistas ganharam perfil no Instagram, participação em eventos de exibição cinematográfica, além de concessão de entrevistas e principalmente novas encomendas.
Mas em se tratando do filme propriamente dito, não há como deixar de perceber o preciosismo com que cada elemento da linguagem cinematográfica foi tratado pela equipe. A começar pela abertura, com uma música cuiabana original, que assim como toda a trilha sonora – assinada por Luck P. Mamute – casa muito bem com as imagens das mãos que tecem e tramam as coloridíssimas redes.
Ainda no que diz respeito à abertura a animação primorosa de Dener Gonçalves, que entrelaça de maneira caprichosa o trabalho de tecer, com a singular linguagem expressa pelas palavras proferidas pelas irmãs artesãs, provoca no espectador mais interessado, várias reflexões acerca de como a cultura é algo encantador, provocativo e que se emaranha com nossos sentidos.
Figura 2 – Trecho da abertura feita por Dener Gonçalves
Incrível como em apenas 16 minutos Tati Mendes conseguiu mostrar todo o lento e belo fazer das redeiras de Limpo Grande. Com singeleza e reverência a diretora abre o espaço para que as vozes e a arte incomparável dessas mulheres ecoem pelos mais diversos cantos. Sua narração também conduz o espectador de maneira leve e tranquila ao quase desconhecido distrito.
Mesmo sendo bem didático, ou melhor dizendo técnico, no sentido de mostrar com detalhes e passo-a-passo o processo de feitura das redes, “Redeiras” é um documentário que envolve e de maneira poética apresenta a importância histórica e antropológica desta arte, que provém da etnia indígena Xané-Guaná e que se hibridizou com os conhecimentos sobre rendados dos portugueses formando uma arte única no mundo.
Aliás as redes, quando prontas, são tratadas como verdadeiras joias, primeiro pela beleza estonteante, segundo pela unicidade, pois pelo fato de ser totalmente artesanal, não há nenhuma rede igual a outra. A condução do documentário leva o público a refletir sobre o trabalho, a tradição, a arte e a condição de ser mulher neste cenário. E quão importante é fortalecer uma tradição, para que o futuro seja de mais união (como as linhas que se juntam no tear) e muito mais colorido.
Tati Mendes
Que linda surpresa essa sua crítica Aline!! E que delicadeza em buscar entender cada etapa do filme, traduzindo em palavras aquilo que de fato tentei levar em imagens para homenagear aquelas mulheres, aquela arte. A crítica é uma etapa fundamental em nosso trabalho e agradeço penhoradamente a você e ao ruído manifesto essa oportunidade de ver meu primeiro trabalho solo como diretora refletido por uma pessoa com a sua sensibilidade e inteligência.