Cinco poemas de Alexandra Vieira de Almeida
Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta. Tem Doutorado em Literatura Comparada (UERJ).Trabalha como professora na Secretaria do Estado de Educação (SEEDUC) e tutora de ensino superior a distância (UFF). Tem cinco livros de poemas publicados, sendo o mais recente A serenidade do zero (Penalux, 2017). Tem poemas publicados em antologias, revistas, jornais e alternativos por todo o país e também no exterior. Seus poemas foram traduzidos para vários idiomas.
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Vida que se cala
Um choque paralisante
Um elétrico transe
de palavras açoitantes
O silêncio naufragou as letras tortas
Todas foram dançar num beco vazio
O maestro da música suave
toca a vida com as mãos
A vida se cala
após sons agressivos de sua voz
A borboleta saiu de seu casulo
e saudou o horizonte
o antes e o depois de mim
Não era hora para queixas
O silêncio se refez nas asas do pássaro
da primavera
O verão chegou, e o livro da mente pálida
se esvaziou de sentido, comeu
do sol a sua interrogação
Quantas palavras jogadas ao nada
só para fazer do outro o espelho da entrega
à vida, que não se perde em zigue-zagues
dos pássaros que se perdem no lodo
As mãos ofertam o segredo da palavra
Os olhos se fiam na espada do destino
Os vazios cospem fogo, este fogo
de outras eras, mais despidas que os mares e céus
A vida se escondeu na árvore dos mistérios
O amor se glorifica na vida que se cala.
*
A serenidade do zero
Deus não está somente na esquerda nem na direita
Do zero proveio a multiplicidade dos outros números
Na confusão das formas
Das línguas das religiões
Precisamos voltar à fonte
A origem sem nome
Ao vazio primordial
Sem o dualismo do bem e do mal
Sem som sem sabor
Sem perfumes ou cor
O sol clarifica as formas
Nos faz ver a ilusão da dor
Como voltar à nulificação da cor
Sem transparência ou escuridão
Nem luz nem trevas
O caminho é o sem caminho
O vagar nem no ponto nem na linha
Nem no círculo, circunferência ou centro
Ser sem teto bordas e tintas
Nem céu nem inferno
Nem em cima nem embaixo
Nem cá nem lá
O zero em sua solidão não se identifica
O grau zero da serenidade
O divino em pleno despertar.
*
Silêncio
Para Olga Savary
O marasmo das palavras
Faz acordar pequenas preces
Sem um único som
Como dar ouvidos à confusão das letras
Insanas e aos números que nos prendem
Numa gaiola de mentiras?
Quero acordar, grávida de vazio e silêncio
Amordaçar o tempo que constrói
A expectativa das horas subterrâneas
Na caverna dos sentidos
O sentido é a letra morta
As palavras se vestem de sóis e luas
Desenrolam a magia da dualidade
Como escapar desta luz inebriante
Que ilumina as diferenças das escolhas?
Prefiro a incógnita delirante da louca sabedoria
Que se esqueceu dos espelhos da linguagem
Que refletem imagens repetitivas e desgastantes
O vazio funda minha sede
Ser sedenta de silêncios acende
Uma chama invisível
Desconhecer, desconhecer
Sair da rede dos signos
Escapar das cores múltiplas do conhecimento
Silêncio
Ouça minha prece ignota
Findar o tapete de desenhos ilusórios
Cuspir na veste da memória
Arregaçar as mangas, os frutos nos sorteiam
Na memória falecida do tempo
Tirar o cesto de frutos
O silêncio é minha cama ardente
Em que erotizo vazios inaugurais
Silêncio
Seja minha nudez sem luz ou trevas
*
Um espetáculo milagroso
Um espetáculo milagroso
Se abre no encontro dos seus olhos
O cálice do sim
Está cheio de seus silêncios meticulosos
Procuro o retrato de seu sol
Brilhando como ouro de interrogações
A água se oferta nas minhas mãos
Vazias e plenas de esperanças
O pássaro voa e canta
Sem saber em qual dia
O sol nascerá mais belo e raro
Refletindo seu rosto nu
Como nuvem macia e vívida de águas
Rios que nadam no espaço celeste
De suas janelas presentes de riso e introspecção
Talvez um misto de mares e cachoeiras
Que se encontram em vaga procissão de riscos
A palavra nada no fundo de seus olhos
Como caixinhas de surpresas líquidas
Na necessidade do encontro dos lábios
A delicadeza se esvazia de seu silêncio-relicário
E se funda na palavra exata e inaugural
O que era sombra se desfaz em luz
Reflexo de seu corpo solar
Os seus dedos teclam
O acorde dos destinos em voo lento e preciso
É hora de a chuva colher os frutos raros
Para seu céu em festa
Quanta alegria se inaugura
No despertar de sua voz
O espetáculo milagroso
Não se esconde nas frestas da tristeza
Mas no entreabrir de seus olhos e boca
Que acolhem a beleza do universo.
*
Alfabeto transcendental
Para Raquel Naveira
Um alfabeto que silencia a escrita
Que faz das letras um atalho para uma estrada esburacada
No meio da lama, encontro uma joia de medos
O medo insípido da humanidade
Em soletrar um alfabeto de cemitérios
Busco a transcendência das formas das letras
Suas sobrevidas, seus fantasmas
As palavras se inauguram na sua disformidade
Não na sua incumbência de levar a outro signo
Que não os signos das estrelas
As letras do alfabeto desencarnadas da vida
Não se fazem corpo de memórias
Mas batismo de espíritos translúcidos
Nas águas da unidade em meio a qualquer diferença enganosa
A comunhão dos signos
Se faz pela hóstia do silêncio
Que traduz o que a boca não vê
Transcendência de nomes
No papel mágico da vida.