Aprendendo a ser insubmissa
TRAVESSIA é coluna reservada à professora doutora do Colégio Pedro II e poeta de mão cheia, Sílvia Barros. A periodicidade é quinzenal, preferencialmente às terças-feiras, mas isso não é regra, só os 15 dias. O objetivo do espaço é jogar luz sobre as intercessões presentes na relação entre conhecimento acadêmico e saber ancestral. Boa leitura!
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Conceição Evaristo publicou em 2011 o livro de contos Insubmissas lágrimas de mulheres. Com esse título a autora nos coloca em uma encruzilhada onde vertemos lágrimas com a cabeça erguida, reconhecendo a dor e não nos curvando diante dela. A cultura afro-brasileira é sábia em dizer que a encruzilhada é o lugar das possibilidades e da comunicação. Reconhecemos, assim, nossa inteireza. E, na literatura, a obra de Conceição Evaristo, não só o livro citado, nos ensina a insubmissão.
Quando obras de escritores negros e escritoras negras ficam restritas ao canto da estante etiquetadas como literatura negra, elas são relegadas ao processo colonizador de nomeação do outro a partir de um eu universal, o eu da literatura branca ocidental. Já quando Cuti publica um livro chamado Literatura negro-brasileira, em que analisa a presença (mais para ausência, na verdade) do negro na literatura de autoria branca e a representação do negro em textos escritos por autoras e autores também negros, ele propõe uma leitura não colonizada da literatura, pois reflete a partir da autodefinição.
A autodefinição tem a ver com nossa responsabilidade para com nós mesmos, como seres humanos neste mundo em que os brancos nos denominaram, nos racializaram e nos desumanizaram. Tem a ver com nosso compromisso em nos entender como indivíduos para além dos impositivos da racialização e do racismo, com a capacidade pluriversal da arte, da comunicação, das ciências, das relações humanas, da coragem para discordar e da disposição para construir coisas novas.
Acho muito bonito o significado de insubmissão, porque projeta ação de dentro para fora. Reagir com uma negação a partir de mim mesma, mas de forma positiva ao que o mundo me impõe. Criar usando isso, pensar a partir desse lugar, amar e conceber novas propostas de mundos possíveis pautados por nós mesmas, por nossos desejos e crenças.
Aprendi também com bell hooks que discutir questões de gênero e negritude sem censura é uma prática subversiva e que a baixa auto-estima, o desespero e a raiva que destroem nosso bem-estar físico e psicológico não podem ser resolvidos com estratégias que deram certo no passado (confiram o livro Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, de hooks). Nossas questões não podem ser resolvidas com silêncio e auto repressão. Não podem ser revolvidas por meio de estratégias brancas como o discurso da diversidade em que apenas se “abre espaço” para representar em um todo homogêneo uma ou duas pessoas “diferentes”.
Insubmissamente, precisamos atravessar o tempo necessário do silêncio, da pausa e da reflexão e, do mesmo modo, ter coragem para navegar em mares tão revoltosos como os que enfrentamos nestes dias e capacidade para ver, no reflexo das lágrimas, um horizonte.