Brumas do Tempo
Seis da manhã
Sentada na beirada da cama ela observa a textura que a mistura da neblina espessa com a luz do nascer do sol produz, a cidade parece acordar lentamente enquanto sua mente acelerada a impede de dormir. Seu corpo cansado, pensamentos desordenados de quem não sabe o que é visitar o mundo dos sonhos há quase duas semanas. Relaxar? Faz séculos que não sabe o que é isso.
Por dois segundos se levanta, joga o corpo para trás e cai sobre os lençóis, roupas e papéis que tem espalhados pela cama. Tenta achar uma razão para tudo que anda vivendo, nada faz sentindo há tanto tempo que nem sabe mais o que significa a vida. Se sente perdida em meio as palavras, aos sentimentos. Alheia ao passar do dia, lembra que o necessário nesse momento é se proteger do que quer.
— Protége moi – sussurra pedindo proteção a algum anjo.
É muito cedo para beber, também muito cedo para sentir. Por não saber mensurar o passar do tempo, por não saber distinguir o cedo do tarde acaba não conseguindo encaixar tudo o que sente nesse mundo cheio de horas, dias, meses e anos. Mundo esse onde o que se sente deve ser proporcional ao tempo vivido.
Não consegue aceitar essa ligação racional entre o sentir e essa contagem de tempo tão retrógrada e limitadora. Não se mensura o que se sente, como não se mensura o passar do tempo. Para cada ser o tempo tem um peso diferente, para cada coração o sentir causa um tipo de estrago.
Um cigarro, um trago, a janela, o vigésimo andar e ela continua jogada na cama. Todos os dias começam e terminam iguais. “Protége moi”, sussurra novamente como se alguém a pudesse escutar. Mas quem poderia salvá-la desse enredo maluco em que se meteu?
O relógio sobre a escrivaninha marca dez da manhã e ela se recusa a aceitar que tenha passado tanto tempo jogada inerte. Levanta, e o corpo pesado a puxa para baixo novamente, resiste ao impulso de se. A cidade corre lá embaixo, apressada, caótica, o mundo segue programado em sua rotina e ela espera seu tempo se adequar ao mundo para sair de casa.