Caminhos Encobertos – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora”, Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê. A coluna irá ao ar sempre no último domingo do mês.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Caminhos Encobertos (Documentário | Colorido | Digital | 26 min | SP | 2020)
O Documentário “Caminhos Encobertos”, vencedor da 13ª Edição do concurso de roteiros Rucker Vieira, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, exibido na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes (https://mostratiradentes.com.br/filme/caminhos-encobertos/) é um exemplo recente do que os povos originários vivenciam desde a chegada dos portugueses a este território chamado Brasil.
Iniciando pelo som da mata, com trilha sonora orquestrada por cigarras e grilos, a câmera se move para acompanhar os passos contemplativos dos jovens guaranis, Karai Mirim e Karai Jekupe, lideranças Guarani Mbyá da Terra Indígena Jaraguá em São Paulo, que nos apresentam parte da história Guarani da metrópole, através da caminhada de subida, que fazem ao Pico do Jaraguá (zona norte de São Paulo) nos ajudam a compreender como um lugar que já foi um lixão se tornou uma reserva indígena com uma mata espetacular, praticamente dentro do maior pólo urbano do Brasil.
É a partir da perspectiva dos dois jovens citados acima, que Beatriz Macruz e Maria Clara Guiral optam por conduzir a direção, que, aliás, é muito respeitosa. Vide o tempo dos silêncios, dos cantos, das rezas; os enquadramentos muitas vezes explicativos, tal como quando ouvimos o som do chocalho e a câmera desce para mostrá-lo em detalhe; bem como a fotografia de cena, como quando Thiago Karaí Jekupe segura uma borboleta a margem de um riacho, quando Vitor Karai Mirim limpa a terra para desenhar o mapa do território deles, ou ainda, quando as crianças brincam tendo a Rodovia dos Bandeirantes e os caminhões que transitam por ela, ao fundo da cena.
A atitude colaborativa das diretoras e roteiristas (Beatriz Macruz e Maria Clara Guiral) é diferente da adotada pelos europeus colonizadores, tal como somos informados pelo relato de Thiago Karaí Jekupe, quando somos apresentados ao Casarão Afonso Sardinha, sustentado até hoje, segundo relatos de seus antepassados, por paredes feitas com uma mistura de sangue e barro, a mando do bandeirante que batiza o casarão. Esta cena, em particular promove uma reflexão a respeito do significado da manutenção de monumentos que a historiografia branca faz questão de manter em pé, em detrimento do apagamento das histórias outras, sobretudo as indígenas e negras.
Beatriz Macruz e Maria Clara Guiral estão, a meu ver, tentando se desvencilhar da “história única”, que como explica Chimamanda Adichie, no vídeo “O perigo de uma história única” disponível em (https://www.youtube.com/watch?v=qDovHZVdyVQ), nivela as pessoas mais diversas, por meio dos mais rasos e incompletos estereótipos.
O documentário nos apresenta, sem clichês e em pequenos detalhes, o indígena contemporâneo e de maneira mais específica, a ligação real e profunda deste povo com a natureza. E como esta relação se mantém em pleno Século XXI, numa aldeia margeada por uma Rodovia como a Bandeirantes e de onde se vê do alto a “selva de pedra” da cidade de São Paulo.