“Carta Sobre o Nosso Lugar – Mulheres do Vila Nova” (2017) – Por Ariadne Marinho e Thiago Costa
Carta Sobre o Nosso Lugar – Mulheres do Vila Nova. Direção: Rayane Penha. País de Origem: Brasil, 2017.
O documentário inicia com o curso do Rio Vila Nova, de águas escuras, caudalosas. Uma corredeira que desemboca na Bacia Amazônica e abastece, assim, a grande selva, floresta ancestral de frondosas árvores, rica em diversidade, detentora de inúmeros pântanos, entre tantos outros alagados. Floresta, selva, terra são todos substantivos feminino, mãe-ancestral, matriz nativa, africana que abriga e acolhe, mas nem sempre é benevolente. “A terra dá. A terra pede de volta” O calor e a umidade transpassam a tela. O ruído das águas titila no imaginário. A suave narração em primeira pessoa ecoa e vai trazendo elementos de um cotidiano de lutas e resistência, através do olhar da diretora do filme, Rayane Penha, que também foi moradora do garimpo de Vila Nova.
Carta sobre o Nosso Lugar – Mulheres do Vila Nova apresenta a história de mulheres que moram e trabalham no garimpo do Vila Nova, localizado no município de Porto Grande, no interior do estado do Amapá. Esse garimpo existe há mais de cem anos. No ano de 2008, a cooperativa dos garimpeiros ganhou judicialmente o direito e a garantia de permanência e a extração do ouro na comunidade, que foi criada no entorno do garimpo.
O curta-metragem volta os olhos para as mulheres que são sempre invisibilizadas nesse universo masculino do garimpo. Mulheres que se materializam em suas realidades, no seu cotidiano, no seu trabalho, em que mostram força e poder. Mulheres vulneráveis, fortes, guerreiras que resistem aos afrontamentos do universo do garimpo, trabalhadoras, mães, filhas. O garimpo é um cosmo hostil às mulheres e o de Vila Nova não foge à regra. Todas as entrevistadas vivenciam este mundo. Lídia tem na fala o pensamento transgressor em meio à universalização “dos afazeres femininos”, ela diz: “cuidar de casa, cuidar de filhos, não é para mim, não. Eu quero é ser formada. Quero ser advogada”.
Entretanto, são mulheres que enfrentam o isolamento do mundo para sobreviver. E o documentário desperta no olhar do espectador a dignidade de seu trabalho, de sua vulnerabilidade, de sua fonte de independência financeira e espaço de resistência dentro e fora dos limites do garimpo de Vila Nova. Uma comunidade de garimpeiros com suas próprias leis e seus próprios comandos, onde enriquecer através do ouro é o único objetivo dos homens. Sobreviver e, mais, viver, é o das mulheres.
* Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
** Ariadne Marinho é graduada e mestre em História. Dedica sua vida ao deus Dionísio e ao leve Tom. Atualmente é uma atenta observadora do cotidiano.
*** Thiago Costa é historiador. Autor de O Brasil pitoresco de J.B. Debret ou Debret, artista-viajante (Multifoco: RJ, 2016), tem contos em antologias literárias publicados pelo país. É sedentário e prefere filmes ruins.