Cinco poemas de Christine Gryschek
Christine Gryschek nasceu em São Paulo, em 1989. Mestranda em Escrita Criativa (PUCRS) e Psicologia Social e Institucional (UFGRS), trabalha com palavras e produz imagens a partir dos substratos teóricos estudados. Escreveu artigos acadêmicos, capítulos, ilustrações, e recomece, agora sem cigarro (editora Urutau, 2019) é o seu primeiro livro de poemas publicado. Vive em Porto Alegre.
***
III
a razão e a desrazão de sua internalizada crise
possível dança
de quebrar a cabeça ser você mas é você
uma folga das coisas que são ora lindas ora destruídas
mesmo protagonista de sua aparente diferença
que não te devora
porque é, penso, isto é a diferença
de seu enigma
a nova busca da qual se conhece vagamente
seu destino a avó de sua avó uma mulher uma pintura
na poeira do céu significa
entrar em um estado agudo de suplício
instante inevitável da mandala
das formas depois nas formas todos os grampos os contornos e
você penso em você
mesmo
centro umbigo e até muro
aquário que tem olhos onde as pessoas se vigiam
estridente conjunto
sua bifurcação
condena e extasia
V
exercite:
revide com reviravoltas consiga
explicar na própria fala os limites
do esquecimento que nela trabalham
avance protegida pelo esconde-esconde
retire o cigarro da boca
é assim que sinto mas sem o fogo
desinvente: uma coreografia lenta:
um destino subordinado
diga pras suas pernas que aceitem graciosas
os passos repetidos
(e não tropecem)
XI
você recusou todas as portas marcas de sua passagem
mas não seu engano
por trás das partidas apoiadas nos detalhes
as tensões dos seus ombros
são uma arquitetura belíssima
onde crescem os buracos as construções
dançam em todas as distintas expressões apaixonadas
o fim de todas as imagens pode acontecer
entre o clarão e algo mais leve
não é como dizem
é você quem move
um pensamento curvo
XIII
nós tateamos esta desmemória se repete
a estrada já antes me senti culpada
sob as coordenadas numéricas
fora fazer a vida pela fenda
preenche mesmo um oceano
quero
guiar mas sua aparição
me dissolve na dança das riscas nesta
máquina que extrai da pele a casa
*
guardar tudo para mim a regra de ouro
é pouco dizer o saber modular as frases com as mãos peco
se coloco o peso do nome
se distribuo sutilmente as gramas
ou as preces
minha avó tinha um terço
meu avô um revólver
meu irmão um telescópio
eu via os modelos dos anos as correções feitas
as duras penas
as pressas
minha tia nunca teve calma
meu tio também ela não teve
meu primo que não veio
eu fui e nunca olhei
tão de verdade como hoje a palavra não é bem essa
é o não dito em sucesso ou alcance
no parque da infância volto
com limões e também eu devo guardar a casa
aquela nossa com a chave da rotina eu espero saber fazer
o pão do dia de descanso
escuto enquanto não há
enquanto não é
quando não está
quem tem
aceitado os meus ouvidos
*
pra que seja possível que eu fale
arredondo os terços o cheiro arredondo os bosques
tão distantes os sonetos meus
ritmos que descarrilham métricas
mas mostro meus bagaços
em volta das sobras eu insisto
em apresentar, provar que não sou culpa
apesar do rosto
nos holofotes
— não basta nem recrimina —
esgotada está a fórmula melancólica da memória
também a raiva essa matiz dos poemas
quem sabe sábado pularia
a parte onde não rimo como prova
de que tenho a precisão
não
traria externo pessoal
meu cérebro tão elétrico
na minha mão
minha telepática
madrugada ponto frágil das poetas
decassílabo nunca me completo
meu olho tá com brilho
quando encontro meu ponto cego:
a saudade me debruça em suas costas