Cinco poemas de Alexandre Pimenta
Alexandre Pimenta. Mestre em sociologia, professor da educação básica no DF.
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Mar negro
O mar veio até nós e nos levou tudo
Debaixo da onda – o caos
Debaixo da nuvem – sal
Abaixo, faróis e cardumes de sóis
Eu vim do mar
Eu que o durmo
Já sei nadar
Sou de todo em vida escuro
Ele não me vou — sempre o fui
*
Catástrofe
o céu caiu sobre nós
e cairá
todos nós voltamos ao pó
revoltaremos
não há mais poesia a cantar
haverá
*
Enlevo
Engolir o álcool
Esse solvente da alma
Acatar o fumo
Em sua nuvem divina
Aquecer o peito,
Os pulmões
Tontear esquinas
Deixar a voz dizer
A música dançar
Dormir nessa ciranda
Fazer o sol surgir do mijo
Em riso, chorar
Em ombros
Descobrir-se escombros
Livrar-se do peso
De si
Mesmo que o amanhã
De fato aconteça
*
A tempestade do dia
Para minha irmã Lucas
Recolher o mercúrio do termômetro quebrado
Cujo vidro-espelho reflete o silêncio
Remover o siso incluso inconcluso
Que de dentro nos faz ser falha e medo
Preservar em selva a chama que nos deu a vida
O puro quilate dos diamantes brutos
*
Uma lembrança
roberto carlos tocava lento
ao fundo
naquelas casas
outrora verdadeiros criatórios
de baratas
a clara cisão entre os adultos
e as crianças
e o rosto daquele menino
cuja mãe morta ele esperava há anos de uma viagem inventada pela avó
quantos azares possuem as estradas nordestinas
suas gaiolas e paus de arara
eles nunca entenderão
esse vazio de ser ninguém
nem nós o explicaremos