Cinco poemas de Amanda Vital
Amanda Vital (Ipatinga/MG, 1995) é editora-adjunta da revista Mallarmargens. Bacharel em Estudos Literários pela UFMG, vive em Óbidos e cursa Mestrado em Edição de Texto pela Universidade Nova de Lisboa. É autora dos livros Lux (Editora Penalux, 2015) e Passagem (Editora Patuá, 2018). Seus poemas são encontrados nos blogs Amanda Vital Poesia, Equimoses e Zona da Palavra, além de espaços virtuais como Germina, Ruído Manifesto e Literatura & Fechadura. Também participou de antologias como Ventre Urbano e 29 de abril: o verso da violência. Foi curadora da 4ª edição da antologia Carnavalhame.
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bastidores
há dez anos eu era magérrima e tão triste
tomava laxante contava calorias como se
contabilizasse minhas economias tinha já
minha escova de dentes pronta para usar
depois do almoço mas usava ao contrário
tinha fotos de atrizes também magérrimas
e tristes coladas de cima a baixo no quarto
na frente do guarda-roupa no caderno nas
paredes murchava a barriga ao espelho eu
sonhava como ficaria com minhas costelas
furando a carne fina e despontando na pele
eu queria ser leve a ponto de ser carregada
pelo primeiro vento que soprasse mais forte
e no fundo no fundo não era pelo incômodo
não era por carência nunca foi pela estética
no fundo eu queria mesmo era voar e sumir
*
bisturi n. 3
são precisos uma sobriedade medonha e um par de colhões
para que me vejam pelos olhos pela mesma altura dos olhos
e renegar meu próprio corpo por bocados de olhos mirando
retos e exatos naquilo que escrevo: eu cubro bem as pernas
tento não render assunto qualquer brecha é um risco tênue
entre me portar mal ou ser demasiado simpática. virei uma
criatura pura e simplesmente uma criatura de falas tímidas
com o nariz sempre encaixado em uma entrelinha para que
nem meu suspiro denuncie a mim nem ao meu esconderijo
e sigo me acostumando à ideia de ter paz em coçar colhões.
*
platônico
este é um poema para avisá-la que esqueci meu
batom dentro da sua bolsa naquela noite: puro
deslize esquecer um batom quase sem desníveis
sem ranhuras mesmo intacto aí no fundo da sua
bolsa bem a jeito para que você use quando se
esquecer de passar algo antes de sair de casa
com ele é puro descuido esquecer meu batom da
mesma marca e cor do que você costuma comprar
à espera que seus dedos o encontrem em um dia
de desatenção e se espalhe em vermelho tomate
na pele do rosto dele manchando de mim do que
resta da minha saliva contra a sua boca mesmo
que por tão pouco minhas células durem dentro
desse invólucro é como se eu o beijasse antes
mesmo de você porque sou tinta antes que você
seja carne e firo um espaço-tempo quilômetros
de distância minutos de duração só para estar
em algum lenço atirado ao lixo na cidade dele
*
couve-flor
era um horário certo da tarde: silvana me levava pela
mão até a sacada só para esperar tatão acenar do outro
lado da avenida em uma janela minúscula sem reboco
não sei por que sempre me levava e dizia olha como a
cara dele é redonda e os cabelos sempre bem aparados
eu concordava sem enxergar porque a mim parecia só
um homenzinho ao longe com um boné cor de laranja
ficavam ali olhando a lonjura um do outro por uns dez
ou quinze minutos tatão voltava ao trabalho e ela dizia
que aquilo era romance de novela das seis era coisa de
alma gêmea e eu concordava só para não desagradá-la
alguns dias depois a novela acabou e silvana não ficou
satisfeita queria porque queria um botânico e tatão era
pedreiro não era nada como o rafael as roseiras o amor
acabou por namorar o distribuidor do verdurão vizinho.
*
espaço em branco
para Marcelo Labes
amigo, ouve com atenção os grilos no fundo da tua
memória: são desses ruídos que têm qualquer coisa
de melodia em looping ou de rádio má de rodoviária
e vão só ficando automáticos quase imperceptíveis
acostumando ao ritmo o martelo a bigorna o estribo
mas apura os ouvidos à lacuna carcomida dos grilos
que se reproduziram com a tua ausência dentro de ti
se reproduziram sem vigilância sem fúria para temer,
amigo, te revisita te ouve não deixa faltar um timbre
para catalogar vai com força com rigidez nas pernas
vai e enfrenta a mesma visão de um trajeto inevitável
vai com a vingança e uma pá para cavar enfim a cova
e enterrar tua culpa viva: os grilos te chamam, amigo.