Cinco poemas de Amanda Vital
Amanda Vital (Ipatinga/MG, 1995) cursa Letras com ênfase em Estudos Literários na UFMG, em Belo Horizonte, transferida da UFPB. Publicou seu primeiro livro, Lux (Editora Penalux), em 2015. Participou de algumas antologias e teve seus poemas publicados em revistas e jornais. Publica poemas nas redes sociais e nos blogs Amanda Vital Poesia e Zona da Palavra. Também cria videopoemas experimentais. É colaboradora do conselho editorial da revista literária Mallarmargens.
***
verborragia
as palavras me engatam a garganta pelas úngulas
escalando paredes massudas de vazio acumulado
sinto o amargo dos farelos as camadas raspadas
a saliva confinada nas grossas grades da afasia
sinto cada gota desse sumo chorumoso e espesso
desgarrado à força na degeneração dos silêncios
tento cobrir a boca reprimir o ímpeto delinquente
numa hipótese vã de fazer descerem os demônios
chego a engolir pressionar empurrar impelir sigilos
mas vozes correm em desespero entre meus dedos
explodindo faringe laringe mandíbula cordas vocais
fere a carne coagula o verbo na arma que impunha
as palavras me sepultam a mudez pela insistência
arrebentando pontos repetidos de eternas suturas
*
apetite
basta o desgastante falar das maturações
do tempo do verbo que nunca se alcança
tez algodoada de um azul inquebrantável
onde a palavra é lúcida e a poesia é mansa
que o fruto ainda verde caia sobre as mãos
em um só sentido, uníssono e irreversível
desfazendo-se em grãos ao puir nos dentes
e confronte a etérea solombra atmosférica
com toda a força desgarrada das urgências
interrompendo o tempo sacro da semente
bendita seja a palavra daquilo que se consome
bendita a rebelião do lado de dentro da fome
*
cigarra
a cigarra não canta a própria morte
ela vocifera, urge, ralha e brada
em agudos polifônicos dispersados
ao primeiro sinal de nuvem negra
mas não canta a própria morte
ela anuncia o arrancar da própria tez
ovacionando a nueza às semelhantes
prolificando-se em ciclos axiomáticos
mas não canta a própria morte
ela se espalha entre toras e troncos
pisa na terra, equilibra-se em galhos
voa tardes que lhe resumem a vida
numa inconsciência pura e indolor
e isso é estar bem longe da morte
*
antigênese
no princípio era a morte
em ruínas estáticas de esgotamento
a desintegração em tecido único
um não-espelhamento em ponto cego
o breu exalando seu odor rançoso
à falta de caminhos possíveis
em seguida veio o verbo
a mão que se ergue no aglomerado
convocando a luz o reinício do pulso
desamassar ao convexo a face composta
fazer das cinzas seu sustenido etéreo
gerar da queda o ímpeto reverso
*
mulheres de Ítaca
as mulheres de Ítaca esperavam pelo belo
veladas aos cuidados dos banhos de azeite
em cada nau rasgando o coração da costa
e no farfalhar das migrações dos pássaros
toda uma década de motivos para esperar
tateavam os seus corpos às possibilidades
invocando as vontades vertidas nas mãos
com a força imantada no cativeiro dos pés
o desejo era libação jorrando das margens
a certa altura incontido, dada sua potência
essas mulheres e seus silêncios absolutos
e suas rotinas ao redor do regresso tardio
adornando a pátria contra o esquecimento
esperavam pelo belo em seu duplo sentido:
a promessa no mar e o destino no Olimpo
Amanda Vital
Wuldson, muito obrigada pelo convite para participar de seu espaço de tanto bom gosto e tanta qualidade cultural/literária. <3
Wuldson Marcelo
Obrigado, Amanda! Para nós, é uma imensa alegria e honra tê-la entre os nossos convidados. Um grande abraço!