Cinco poemas de Ana C Moura
Ana C Moura (1998) é poeta e revisora de textos que ainda cursa Direito por um desvio de percurso, mineira, vegetariana e notadamente míope. É editora-colaboradora na revista on-line New Order e escreve seus textos em diversas revistas no Medium, dentre elas a Fazia Poesia e a Subjetiva. Também já publicou poemas na revista lusa A Bacana, na edição 01 da revista digital Torquato e na antologia poética de mulheres, Quem dera o sangue fosse só o da menstruação, pela editora Urutau. Possui muitas sedes, uma delas é ser lida.
Acesse: medium.com/@anac7332
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rituais do sentir
tenho-te na palma das minhas mãos, como quem conta colar de contas e moedas.
ouço-te ser ouriço como quem desfia arrepios ao desnudar-se.
cheiro-te como quem tem a urgência de tragar mais um cigarro para assim exalar as poesias silenciosas que se perfazem no ato de derramar todas as amarras dos sonhos.
sinto-te nas papilas como quem faz juras molhadas de satisfazer as seivas que chamam a palavra à meia-noite.
bebo-te nas texturas da pele como quem tem sede de demorar-se no co(r)po.
como-te como quem tem fome de demolir muros e devorar pontes e pontas dos pelos.
tenho-te na palma de minhas mãos, como quem conta colar de contas e moedas.
*
oscilações
sinto o mormaço atravessando a pele
queimando o lombo
quero arrancar logo a roupa, mas
está frio
olha pra cima
vê bem?
uma tempestade torrencial se aproxima
as nuvens pesadas acumulam
gotas d’água suficientes para
tombar o céu
mas vê só a fissura que se abriu logo ali
é o sol que acena de novo
e trovões se misturam a descamações epiteliais
e há relâmpagos e refrações da luz nas gotículas
que raios de tempo esquisito, mas
olha o arco-íris que encontra o infinito
tenho medo da chuva
amo dormir com o barulho da chuva na janela
vou tomar um banho quente
vou ficar em frente ao ventilador
não, espera!, e vê se fica mais um pouco
espera a tempestade passar
há um sol pra cada um
não vai sair agora
é um clima que não se decide
vai ver tem sol em peixes lua em libra ascendente em gêmeos
vai ver tem descendente humano nas mãos
é um clima tão bem definido
estação quente e úmida
estação fria e seca
lá fora
a chuva cai e
o vento uiva todo
verão que resta
e aqui dentro
tenho granizos que gritam
tenho derretimentos que deitam
(n)as calotas polares
do peito em festa.
*
desvio
tengo tangos presos em estalactites
tengo tantos poemas escondidos nas superfícies
tengo tendo gerúndios continuados
de tudo o que tu ainda me disse.
*
abismos começam de fissuras
que se abrem na parede
nem se fecho os olhos
já te tenho mais
há algo que começou fagulha
virou distância
há mesmo faíscas
que não se alastram em incêndio, afinal
ficamos no primeiro fósforo,
o que se apaga
num instante fugaz
depois de se queimar sozinho
e, por mais que eu acenda
outro e mais outro
até o fogo vingar para a chama da vela,
somos autofagia,
nos consumimos
antes de chegar a nossa vez
fomos corpos livres
se reconhecendo minimamente
em movimentos de se fazer perto
havia possibilidade, hoje é um resquício
só me impressiono de ter visto
por algum prolongado momento
tanto potencial para a escalada
o sonho de crescer crescer crescer
ser até alcançar o ápice
hoje somos o fundo
só um tremular insosso
eu sou refém da saudade,
você já não sei, pois não sei de nada
a saudade é essa mesmo, a de sempre,
que vem grão de mostarda
até se agigantar
que toma conta
de cada viela nossa
até molhar todo o corpo,
o meu, o seu, dois comuns
dois imensos rendidos à lonjura.
*
alterno os líquidos que vão nos copos
para ver se te acho
beberico um gole do que há
no copo laranja
chamo em seguida o seu nome
num sussurro-grito
quase ultrassônico
quase inaudível
na esperança de que o hálito, roxo e ébrio,
embale o sussurro e então
te traga como numa dança
para perto, tão perto, esse corpo
mas não
ele é só um eco longe, um ruído
que convido com as mãos
para o encontro vocálico, único,
do instante que antecede o voo
mas não há movimento algum
e o silêncio, o silêncio
corrompe as palavras todas antes, bem antes
convoco as palavras outra vez, cada uma
mas não há quem venha
você, como as palavras, tampouco
numa derradeira tentativa
termino de abrir o bocejo
dos braços ébrios do vinho na varanda
deposito o copo azul vazio no parapeito
ergo a última prece,
ainda a última, quem sabe
dou cabo ao vinho do copo laranja
que belo contraste
há algo acontecendo no peito
deve ser a friagem, retorno
você ainda não veio.