Cinco poemas de Ana Dos Santos
Ana Dos Santos é poetisa, professora de Literatura, com especialização em História e Cultura Afro-brasileira e mestranda em Estudos Literários Aplicados/UFRGS. Também é contadora de histórias e tem seus poemas publicados em diversas antologias poéticas. Foi selecionada no concurso Ministério da Poesia (Portugal) e publicou seu primeiro livro de poemas, Flor (2009/Corpos Editora). Recebeu duas vezes a Menção Honrosa do Prêmio de Poesia Lila Ripoll e a Menção Honrosa do Grupo Face de Ébano da Secretaria Adjunta do Povo Negro da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos de Porto Alegre. Faz parte do Catálogo Intelectuais Negras Visíveis (UFRJ/Editora Malê) e é Acadêmica da Academia de Letras do Brasil/Rio Grande do Sul na cadeira 100 com a Patrona Lélia Gonzales. Em 2019, publicou seu segundo livro de poemas Poerotisa (Editora Figura de Linguagem).
***
OLHAR CALIBRE 38
Se tem um olhar
que toda pessoa negra sabe reconhecer
é o olhar racista.
Desde criança,
aprendemos que somos diferentes
e que vão nos olhar de forma diferente
só não sabemos o porquê…
O olhar calibre 38
atira pra matar.
Eu sinto cheiro
de racista
de longe…
é cheiro de pólvora!
*
Armas brancas? Não!
Bucha de canhão!
Armas negras? Sim!
Palavras de revolução!
Que cortam como faca
quando são ressignificadas
à luz da razão!
Houve resistência, sim!
Com armas brancas em mãos negras,
com nossos corpos
e presenças
na história mal contada
da nossa desaparição!
Somos pau pra toda obra
e somos pauladas nos racistas!
Estamos armados
até os dentes
de argumentos antirracistas.
Somos brotos e sementes
que furam o asfalto
e florescem em nossas cabeças
como blacks resplandecentes!
Armas negras de autodefesa
no corpo a corpo do dia a dia
sou bucha de canhão
na cara da hipocrisia!
*
CANÇÃO DE TRABALHO
O negro foi salvo
pelo próprio trabalho,
quando ele não o matou
de exaustão.
Na essência
da escravidão
estava a exploração.
Forçado trabalho
trabalho não pago
não pago e não valorizado.
Trabalho que não dignifica
que é preciso cantar
para esquecer
a dor
o cansaço
a fome.
O ser negro
a essência do trabalho
a mão que construiu
o Brasil.
*
Estudar sobre a abolição
e continuar a ser escravo
do trabalho
e do pão
e do olhar atravessado
Ninguém se surpreende mais
com um negro chicoteado
E os presídios estão cheios
de corpos acorrentados
decapitados
e esquartejados
Corpos negros
corpos e mentes
escravizados
caminhando diariamente
num país amaldiçoado
“num trem pras estrelas
depois dos navios negreiros,
outras correntezas…”
*
Polícia atira pra matar
negros.
Não revista,
não aborda, não identifica.
Atira pra matar
negros.
Capitães do mato
cujos alvos
são os irmãos de cor.
A carne mais barata do mercado.
Uma vida que vale menos
que uma bala de revólver…
Alguns dizem que sai mais barato matar
negros.
Guilherme Gomes
EXcelente. Dor pungente dos grilhões TRANSFORMADA em palavras libertas. Muito obrigado!
Ana dos Santos
Obrigada Guilherme!