Cinco poemas de Ana Dos Santos
Ana Dos Santos é poetisa, professora de Literatura, com especialização em História e Cultura Afro-brasileira e mestranda em Estudos Literários Aplicados/UFRGS. Também é contadora de histórias e tem seus poemas publicados em diversas antologias poéticas. Foi selecionada no concurso Ministério da Poesia (Portugal) e publicou seu primeiro livro de poemas: Flor (2009). Recebeu por duas vezes a Menção Honrosa do Prêmio Lila Ripoll e faz parte do Catálogo Intelectuais Negras Visíveis (UFRJ/Editora Malê), Em 2019, publicou seu segundo livro de poemas Poerotisa (Editora Figura de Linguagem), do qual os poemas abaixo foram retirados.
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O
índio
ainda
anda
ainda
sendo
ainda
índio
*
EU NÃO ESTOU SAMBANDO PARA TI
Eu não estou sambando para ti!
Eu sambo porque quero.
Eu não estou sambando para ti!
Eu sambo porque gosto.
Eu não estou sambando para ti!
Eu sambo porque meu corpo samba
meu corpo dança
meu corpo negro!
Eu não estou sambando para ti!
Eu sambo o ano inteiro
e principalmente
no carnaval!
Eu não estou sambando para ti!
Eu sambo para os instrumentos.
Eu sambo de alegria
e sambo de lamento!
Eu sambo com o meu povo
meu povo em movimento.
de África para o Brasil
sambo oceano e continente
sambo lágrima e suor
sambo mar e rio
e sambo contente!
E não para ti!
*
ERA UMA VEZ
Era uma vez uma revolução,
não foi!
Era uma vez os lanceiros negros,
sim, morreram numa emboscada!
Era uma vez uma promessa,
traição!
Era uma vez a paz do ponche verde,
verde, só se for o do chimarrão…
História pra boi dormir…
Era uma vez uma noite fria,
sem visão.
Era uma vez um pelego quente
estirado no chão.
Era uma vez uma noite sem sonhos,
restava apenas uma ilusão
de uma falsa liberdade
em uma nova prisão.
Era uma vez uma tropa de choque
sem munição.
Era uma vez escudos humanos
sem condição.
Montados “à charrua”
no cavalo tição.
Domadores de fúria
de inimigo batalhão.
Se eu tivesse uma faca,
adaga, facão
eu contava outra história
dessa falsa revolução!
Eu sangrava o pescoço daquele capitão!
e com as minhas boiadeiras
o derrubava no chão!
Era uma vez dois coelhos
numa lançada só!
Mas não foi, não!
Meu nome é Lanceiro Negro,
soldado que já foi peão,
lutei pela liberdade,
mas me faltava o pão…
Caí no conto do vigário,
do coronel e do capitão!
Era uma vez uma história,
não era guerra,
nem revolução!
Vocês que são brancos,
que se entendam!
Meu corpo é farrapo no chão!
Porongos bebe meu sangue
Era uma vez,
não é, não!
*
CRAVO E CANELA
Meu corpo espelha
o teu
no tom de pele
Estou sempre
a esperar
para logo
encaixar
nossos jogos
de armar
Cravo e canela
é a fragrância
que nosso amor
exala
*
Assim
eu não resisto!
Me dispo
e me visto
de estrelas!