Cinco poemas de André Ricardo Aguiar
André Ricardo Aguiar é escritor. Publicou alguns livros, entre eles os infantis Chá de Sumiço e outros poemas assombrados (Autêntica) e O rato que roeu o rei (Rocco). Pela Patuá publicou A idade das chuvas (poemas) e Fábulas portáteis (contos). Os poemas aqui selecionados são do livro Da existência enquanto gato (Confraria do vento) a ser lançado brevemente.
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FELINO
Tão suave o esqueleto dentro de ti
como um violino instalado, como
um astronauta exilado da lua.
Já vejo em ti a perfeição do pulo
que tem o chão como vassalo
e a gravidade como espelho.
És como a ciência abstrata
de mil sábios escondidos
no mantra de uma preguiça.
O mesmo espaço de um sonho
em que dormes ou despertas
do mesmo modo: gato.
*
FIAT GATO
Entre todas as coisas criadas
um gato não está nem aí
para as coisas criadas.
Na hora que nomearam
todas as coisas um gato
pediu licença e saiu
e voltou já feito, coisa e nome
– que o paraíso deles
é outra coisa.
*
CARTA DO GATO AO POSSÍVEL DONO
Não mexa nos meus silêncios
duramente conquistados.
Estou aqui seguindo meus instintos
desde a antiguidade.
Escolha um lugar para dormir
fora dos meus domínios
que mudam
de tempos em tempos.
Não espero que entenda
o hieróglifo dos meus miados.
Não traia minha confiança:
três quartos de um gato
tem um deus vigilante.
Sem mais, dito isto
o pires de leite esteja pronto
o colo idem.
*
VIAGEM
Deixamos os gatos ao sabor da clausura
e viajamos. Mesmo curta a jornada
desconfiamos que eles tecem estratégias
de contenção das despesas. Também
falam a segunda língua deles. E traçam
planos e secretas táticas para as selvas
do minúsculo. Tudo isto num apartamento
de dois quartos sala e cozinha,
dois hemisférios e o mar contido
do aquário.
*
VELHO GATO
Olha o orgulho de um gato.
Parece um aeroplano pousado no deserto.
A cauda, um hieróglifo.
Os ratos, no passado.
Este aqui já é velho e ronrona
velhos provérbios felinos.
Ainda o radar funciona
mesmo que o dia puxe o cobertor da noite.
Visto da janela
ou escondido no telhado
é a mesma sensação:
não existem donos
que o comprovem.
É um velho gato
como um pergaminho desdobrado.
Torna o mundo
mais antigo.
ROZANA gASTALDI cOMINAL
O gato. O dono. jornada em hieróglifos de miados.