Cinco poemas de Ave Terrena Alves
Ave Terrena Alves é dramaturga e poeta transvestigênera. Integrante do grupo de teatro Laboratório de Técnica Dramática, atualmente desenvolve pesquisa sobre o legado de violência da ditadura civil-militar 1964-85. Seu livro de poesias, Segunda Queda, será lançado em maio de 2018 pela Editora Kazuá. Sua peça as 3 uiaras de SP city estreará no mesmo mês, no CCSP.
Todos os poemas abaixo são do livro inédito Segunda Queda e conservam o projeto de grafia próprio da autora.
***
nossa dor em versos curtos
esmagada numa fila
chuva cidad inunda
ond passo noit e dia
pleno arregaço penso:
nossa dor
em versus curtus
imagina
imagina
as lacunas da garota
porrada até dos mansos
olhos tiroteio
muro sem cimento
fado d família
disfarce e desemprego
cama sempre fria
imagina
imagina
a largura da garota
fogo nesse peito
nervo conflitant
morte sem receio
susto aqui perto
pânico por dentro
mesmo deserto
imagina
imagina
a secura da garota
golpe no espelho
batizado prematuro
ócio q rejeito
vírus sem vacina
ossos doloridus
coberta de alergia
imagina
*
ocó caminhante na rua
o q eu tenho pra te dizer
parece q agrada glandes e ouvidos
parece bom para o seu prazer
conheço pontos certeiros profundos
e sei como te envolver
o fogo de cena na cama domino
———-si eu deixar pode até mi bater
desde q esteja com paga propícia
———-a decisão é sua aonde mi levar
si conseguir a cura pressa minha angústia
———-cumpro os meus ritos, te deixo sem ar
na cavalgadura dessa devoção
———-necessidade do acué performar
grita minha pele pra ti, q é consumo
———-do corpo te dou tudo, menos o olhar
*
quem mi dirá o q é possível fazer com
esse ódio
si o tédio e depressão não devorarem as eras
———————————————-e ramos
a época insiste em desmanchar, nos ossos,
———————————————-o crânio
mira de cabeças-palavra empestiando
———————————————-o cânone
quem saberá das pedras encontros de
———————————————-parada pouca
nos cruzamentos da cidade transes e contos de
letra fiada
fé q disfarça, dá bíblia, folhas de narrativa
———————————————-sequestrada
reforma avessa aos ritos da convivência mal e
———————————————-mal democrática
quem ditará o nome ungido pelo direito
———————————————-burocrático divino
a restar bolor e lápide oposto ao trato
———————————————-diário manuscrito
sem nexo de corpo decifrado a fundo, ranhuras do
———————————————-genital batismo
dúvidas que sangram, lutas contornadas
———————————————-contra-instinto
*
frouxa matéria dos prédios não acabados, vigas q nos atraiçoam
afundadas na lama ressaca, dejetos e dedos impostos na face q não
si move, de medo, de risco, perigo de arame farpado ou tijolos
de épocas diversas a sustentar o peso do militarismo, resquício
triste, triste sina do sol a perder suas árvores, poucas mangas
e nutrientes q não abastecem mais a demanda, desemprego,
fome, rei q não abdica da coroa, papai, quantos abusos no teu laço
carinhoso de início e pouco tempo imaginamos q teríamos
mel antes do sal desmanchar nas águas
barrentíssimas poderíamos ímã nos atrair, tronco q veio
arrastado pela chuva raiz funda, derrubada noutra mata
e casca vim boiando pra ti, solta, movediça, quem ti engole
quem ti chama, céu nebuloso de futuro tático, acabada
—————————————————————-foi aqui q nos cruzamos
—————————————————————-aqui nos erodimos
—————————————————————-nos silenciamos
*
minhas pernas mi fazem
andar + devagar
calçada não corrida
debate sem intriga
chute no ringue
para trava escutar
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