Cinco poemas de Celane Tomaz
Celane Tomaz tem 31 anos e é professora de Língua Portuguesa e alfabetizadora da Prefeitura de São Paulo (SME -SP). Possui formação em Letras Português/Inglês e pós-graduação em Literatura, ambas pela PUC-SP e Pedagogia e é pós- graduanda em Gramática e Texto pela Universidade Anhembi Morumbi. Tem vários poemas publicados em antologias e foi uma das poetas selecionadas para o curso livre de novos escritores da Casa das Rosas (CLIPE 2020). Escreve periodicamente no blog e no coletivo de mulheres Elas contra Tebas e a publicação de seu primeiro livro de poemas ocorrerá em breve.
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A breves passos
Decifro tuas letras
Escritos em teus pedaços
De papel velho.
Grita o dia
Sobre os montes de silêncio
A umidade molha
O rosto da manhã.
O sol queima a retina
E rompe o véu do desejo
A claridade na face do medo
É sutil e vã.
Lembro do azul
Do teu céu nas minhas noites
E do aroma de chuva
Entrelaçado ao teu perfume.
Enquanto o vento versa
Fragmentos de ausências
E desenha no ar
Tufões de acenos de existência
As ruas levam os rascunhos
A longas distâncias
E me perco nas andanças
Da solidão.
Caleidoscópio
Revelo o que sou
A um poema.
A noite
Guarda os meus segredos
A meia luz acolhe minha solidão
O vento grita pela fresta
A trilha dos versos onde me deito
Faces que transitam
E se entreolham antes de partir
Persigo a palavra
– Estalo que me inventa.
Procuro a imagem
Onde caiba a matéria
Transcendente agonia
Implora existência
Sem tempo e distante
Ausente e tão perto
Este fragmento me olha.
Película
Esta pele
Sobre quem eu era sou
Órgão lúcido inabitado
Um punhado
De desejos desencarnados
Amo a ti
E tantas vidas
Não caibo nas próprias memórias
O peso da pureza me castiga
Matéria de um corpo (des)feito
Em partículas de eus
Outrora
Esta pele.
Fuga
dormir com a verdade
me assola
pisar na realidade
me maltrata.
encontro outros atalhos
no apego aos enganos
e descanso no conforto
do incompreendido silêncio.
sinto-me potente
no aperto dos dentes
afogo-me inteira
nos meus olhos d’água.
contemplo
contornos absurdos no céu
beijo a liberdade
num bando de pássaros,
confusão de asas.
trago a fumaça proibida
e nela se dissolve quem sou
tenho nos lábios
o vermelho vivo e o fascínio
e entre os dedos
o escorrer da velha vida,
a liquidez da voz do desatino.
é pouco o vinho
devorado aos ingênuos goles
tilintando os cálices
da maldade perdoada.
acho graça
no corte, nos espinhos
sendo ser belo e sugado
como qualquer néctar
refém de tantos insetos
e dos ruídos da paisagem.
fecho os olhos
mas ainda é cedo
e penso num suspiro primeiro:
há muita vida
enquanto se morre
há muita vida
enquanto se mata.
Dia pálido
É cinza
a palidez do dia
desbota
o calor do meu rosto
que ardia
Dias iguais
estáticos
serenos
Quem sou eu?
no turbilhão das emoções silenciadas?
no caos dos dias amenos?
Dias iguais
apáticos
terrenos
Quem eu sou?
Sou o ser
que irresiste
à inquietação da alma?
Sou o ser
inalcançável
desnudo
pequeno.