Cinco poemas de Christine Vianna
Christine Vianna. Diretora do Festival Literário de Londrina e Vila Cultural Cemitério de Automóveis. Editora da Atrito Arte. Vocalista da Banda Benditos Energúmenos. Professora, produtora e atriz. Em 2014 participou da Antologia de poesia feminina O fio de Ariadne. Em 2016 recebeu o Prêmio “Todos por um Brasil de Leitores” do Ministério da Cultura. Tem poemas publicados em Um dedo de prosa (2016) e Nómadas (2018).
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trouxe a chave pra libertar sua tristeza
trouxe a chave pra libertar sua tristeza
ela é sua
a chuva dança lá fora
vamos lavar nossas mãos
esqueça as promessas que fez e não pode cumprir
e venha caminhar um pouco comigo
podemos naufragar (no mar)
correr através da noite
posso dirigir quando estiver cansado
trouxe a chave pra libertar sua tristeza
vamos atravessar as bombas do lado de fora
estivemos sozinhos por tanto tempo
trouxe a chave pra libertar sua tristeza
tome minha mão
eu vou cantar pra você
vamos atravessar a escuridão que cai sobre o mundo
estou cansada da guerra
tome minha mão se quiser
trouxe a chave pra libertar sua tristeza
não volte para onde você estava
não há ninguém te chamando
e o tempo corre depressa demais
trouxe a chave pra libertar sua tristeza
*
Se amor é vício te encontro no precipício
escuta bem
não esquece
vou te dizer ao pé do ouvido
fada era bruxa
príncipe era sapo
e há três coisas entre nós
que são um desacato:
riscos na madrugada
teu cheiro no corredor
a outra não lembro
mas se amor é vício
(te) encontro no precipício.
*
Pra 03 notas ou As musas estão caladas
Tomei 10 doses de desgosto
estou sentindo mais do que posso dizer
mas as musas estão caladas
e pra vc não há nenhum poema
o teatro está fechado
não sei se foi pela surpresa
pela palavra dita
antes do beijo roubado
pela taça vazia
ou o corredor que não seguiu
o que posso fazer, meu bem
vc segue cantando em lugares nada razoáveis
estou sentindo mais do que posso dizer
não sei se mantenho o dedo em riste
acho que vou plagiar meus próprios poemas
pras 3 notas e seus olhos negros
parar de acender um cigarro no outro
e lembrar que não foi um tom espúrio
e que não há nada a esconder
não estar aviltada por resultados
já é um começo
entre a timidez do desejo abafado por ruas que não se acabavam
o cansaço vence a noite
da outra literatura
cheia de cheiros
delicadezas
e vontade antiga
mas as musas estão caladas
pensam ser um afoito acaso e não querem falar
que se danem as musas
entre o olhar e o olhar
saudamos a nós mesmos
e a impressão não passa de um original
e insistem em ficar suas palavras mais baixas que um sussurro em meus ouvidos
um instante de revelação
o poema se fez indizível
*
Pra ser lido ao som de um blues
não sei se entende
mas antes que eu beba esta última dose de whisky
eu tenho (te) que dizer
talvez eu deixe a porta aberta
pra você entrar sem bater
talvez depois você diga que a ama
mas eu ofereço minha nuca
em sacrifício
o irremediável canta em meus ouvidos
e eu não tenho forças pra resistir
meus demônios bebem vodka
e não querem que eu escape de você
talvez eu queira
que você dance comigo a noite inteira
meus demônios bebem vodka
e não querem que eu escape de você
*
uma balada quase blues
ou mil e uma noites em um sopro
já faz muito, muito tempo agora
que eu estou do seu lado
eu ouvi você falando
dos amores errados
eu ouvi você chorando outra noite
vamos deixar as tormentas do lado de fora
que importa o fundo
desde que você esteja do meu lado
já faz muito, muito tempo agora
que eu estou do seu lado
e toda vez que você vai embora pela porta da frente
sei que talvez nunca volte
que importa o fundo
e apesar de tudo é tão leve estar com você
o silêncio e as palavras estão presentes
não queremos que seja pesado
faz pouco que atravessamos tantas estradas
está muito claro
e não queremos mais problemas
mas tenho esse sentimento inquieto que não revelo
e você não percebe
estou me sentindo tão cansada
já faz muito, muito tempo agora
que eu estou do seu lado
mil e uma noites em um sopro
somos o que somos
e somamos
tão tudo nada menos