Cinco poemas de Cláudia Sehbe
Cláudia Sehbe é poeta e artista visual. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Publicou Somos instantes (Olhares, 2016). É curadora de poesia da Feira Internacional de Arte do Rio de Janeiro. Participou de diversas exposições de artes visuais como Monumental Marina da Glória e Ocupação Mauá. Tem poemas publicados na antologia poética Simultâneos pulsando – uma antologia fescenina da poesia brasileira contemporânea (Corsário-Satã, 2018) e Alto-mar (7Letras, 2017), além de diversas revistas e jornais como O Globo e Folha de S. Paulo.
Os poemas abaixo fazem parte do livro Safári, que será lançado em agosto pela Corsário-Satã.
***
As esquinas que não dobramos
uma mulher está perdida neste cigarro
costurando tendões de suas próprias coxas
ela seguirá caminhando
até achar casa dentro de uma casa,
até achar cama em algum par de olhos
completará as letras de seu nome com o que sobrar de seus calcanhares
porque sabe que a força de uma sorte, na vida
é saber que antes de voar se faz um zigue-zague
*
Kollwitzstrasse 51
quando vejo atrás da espessura da água dos teus olhos não sei o que é esse nó e
nem do que é feito. metades herméticas e tóxicas de ti, quase um ninho um
emaranhado, felpas, invasões de aços pontiagudos, uma existência faminta,
canibal, áspera.
A língua mesma a lamber a nuca por entre abacates, café, por entre rachaduras.
uma espécie de envergadura construída cresce rasgando as estruturas do corpo.
então tu pensa que é outro:
uma escama de peixe, um gosto distante na boca, uma cabana
mas são os mesmos cães habitando obscenamente teu peito.
são os mesmos cães habitando obscenamente teus dedos.
são os mesmos cães habitando obscenamente tua perna, latindo pelos joelhos e
pelas cavidades curvas, habitando as coxas. são os mesmos cães habitando
obscenamente teu umbigo.
como latem os cães. habitam e latem, percorrem a sinuosidade dos teus quadris.
nas juntas, latem nas feridas abertas, latem.
habitam tua voz e os tornozelos, latem.
habitam os dedos das mãos, as unhas, latem. habitam e latem no peito, na barriga,
latem.
nos ombros, nas costas cansadas, latem.
a nuca, habitam sim a nuca, correm e latem pelas orelhas.
latem garganta e peito, como latem!
latem, latem, latem.
amores e cães são animais sem cabelos,
não é possível puxá-los é preciso comê-los.
e quando vejo atrás da espessura da água dos teus olhos não sei o que é este nó e
nem do que ele é feito,
onde se alimentam os cães.
*
A GENTE junto é uma espécie de veludo
uma caixa de arrepios e ventos enormes
*
I
o amor é um útero
dá a vida
sangra
II
a saudade é uma gruta nevrálgica
III
ela disse que voltar a essa cidade
era como tirar as luvas
pra tocar próximo
e ao redor da boca, rodeando unhas e dedos
sorrisos protelados
IV
sentamos num café,
(aqui as pessoas são magras,
essas ruas,
as bicicletas)
a barriga dos olhos devorando sinais
e papéis,
a cidade deslizando no teu cigarro
já são cinco da manhã
e você me olha
como se nada, no mundo, pudesse cair
só que cai,
desmorona
algo vai roubando o fôlego,
se estendendo pelo ombro, uma erosão de peito
de olhos
não noto (finjo)
é de manhã,
mais uma vez,
pentear os cabelos, sentir saudades
V
quando ecoa,
arde.
dou nome a esta gruta.
*
Formas de habitar o mundo
uma carótida
jugular
uma hipótese
ataduras
uma curva
um alargamento
ser um cometa
(quando foi que você deixou de ser um cometa, ein?)