Cinco poemas de Dalila Teles Veras
Dalila Teles Veras é natural da Ilha da Madeira, Portugal (1946). Reside no Brasil desde os 11 anos de idade. Publicou inúmeros livros de poesia, dos quais destacam-se tempo em fúria, 2019, solidões da memória, 2015, estranhas formas de vida, 2013. É de 2016 SETENTA anos, poemas, leitores, coletânea de poemas escolhidos por 70 amigos/leitores, em celebração aos 70 anos de vida da autora. Desde 1992, dirige a Livraria, Editora e Espaço Cultural Alpharrabio, com sede em Santo André.
site pessoal: http://www.dalila.telesveras.nom.br/ | blog: http://dalilatelesveras.blogspot.com.br/
Poemas integrantes do livro tempo em fúria (Alpharrabio Edições, 2019).
***
desobediência
os acontecimentos
batem à minha porta
estridentes, insistem
batem
batem
se não os atendo/atento
insinuam-se pelas frestas
mandam sinais
fumaça
notícias
megabaites
e
batem
batem
se me finjo de morta
explodem a vidraça
estilhaços
prestes a romper
aneurismas herdados
contrariando o mestre
(para que a língua não trave
para que não me arrependa)
deles construo poemas
e
com certo engenho
alguma poesia
*
vinte e cinco do um do primeiro ano
de nossa anunciada hecatombe
em lugar da prisão
o dejeto presidente
da empresa assassina
volta ao local do crime
escudado pelo presidente
da nação enlameada
lado a lado
empertigado e lustroso, aquele
como convém a um alto executivo
colete de caçador amarfanhado, este
como convém ao mais alto dignitário
perdido na floresta de trapalhadas
da república federativa do brasil
sobrevoam
a lama, a lama, a lama…
após os lucros retirados
resta a lama/rejeito devolvido
em conluio, derramada
sobre os rejeitos humanos
acusados de prejuízo
sobrevoam e calam
pelo twitter, prometem
mudam o discurso
mentem
a lama que tudo oculta
está longe de ser metáfora
lama língua linguagem
silêncio que diz
dos corpos sem nome
mortos, que o protocolo
chama de (?) desaparecidos
os que não morreram
ficam sem nada
são nada
servem apenas de espetáculo
motivo / lenitivo
para a caridade de ocasião
amanhã, todos
mortos e mortos vivos
não passarão de meras estatísticas
brumadinho
bruma indício
do fracasso
da ex-terra brasilis
e de sua falência humana
*
poema para marielle franco
rascunhado na noite de sua brutal execução
certeiros, os projéteis
da janela
da mira
do gatilho
atingem o alvo
calculadas, as balas
na cabeça marcada
na mente visada
na ação inadequada
cumprem a função de calar
não foi apenas o sangue
jorrado na execução
não foi apenas a carne
(negra, para não fugir das estatísticas)
caça abatida no voo, ração
provimento dos sem razão
ali, naquele automóvel
ensanguentado
e
incômodo
foi abatida a utopia
calada uma voz que era de muitos
derrubado o pilar da esperança
executada a possibilidade de redenção
14.3.2018
*
payssandu
sp dois cinco dezoito
há dias
assim
só
desmoronamento
e
escombros
os meus
por saber
os deles
por sofrer
dor de ver
dor de viver
*
isto não é uma história em quadrinhos
olhou de soslaio para o vizinho
pim!
não revelou a senha do celular
pof! pof!
isso lá é jeito de se vestir?!
pá! pá! pá!
em nome do amor
knokk! knokk! knokk!
em nome da honra
bang! bang! bang! bang!
reagiu ao estupro
crash! crash! crash! crash! crash!
a mulher, propriedade
na mira, por ser mulher
por dá cá aquela palha
craccc! craccc! craccc! craccc! craccc!
menos uma na luta
mais um número acrescido
ao triste e repugnante rol
(no brasil
a cada dia, três mulheres
são vítimas de feminicídio
a cada nove minutos, uma mulher
é vítima de estupro
a cada dois minutos, uma mulher
registra agressão sob a lei maria da penha
taxa de feminicídios no brasil
diz a onu
é quinta mais alta do mundo)