Cinco poemas de Daniela Galdino
Daniela Galdino (BA) é Poeta, Performer, Produtora Cultural e Pesquisadora da área de Literatura. É também docente da UNEB. Publicou Espaco Visceral (Editora Segundo Selo, 2018), Inúmera/Innumerous (tradução Brisa Aziz, Editora Mondrongo 2017). Em 2014 idealizou o circuito editorial Profundanças.
o poema que não escrevi
o poema que não escrevi
é inchado, tropeça em vazios
transpira, com incerta dificuldade,
as palavras que não resgatei
do vasto rebanho da lógica
o poema que não escrevi
dorme saciado pelas marés
da minha intensa covardia
faz sesta com resíduos
de tudo o que em mim sonha
do poema que não escrevi
sou agora pasto fértil
fui caqueiro baldio
e restarei semente
na valsa prenha de insônia
*
mapa
meu zero por cento de terra
relapso aroma de puta
fiapo da loucura nos dedos
contorna fobias varonis
se amei terrenos duvidosos,
virei planta eriçada ao léu
fico no tempo, sob lua
chuvas e jatos de infâmia
num dia broto
se noite, escorro
apodreço quimeras esponsais
biodesagradável para infusão
dura de corroer as tripas
inverto faróis na faixa litorânea
dos afetos, um só desejo:
quero fogo na Baía de Todos os Prantos
*
arada
ostento cara de terra
espírito de poço
índole mar
remota felicidade
sempre tive
irrigada padeço
estranheza, pra mim,
é abre-te sésamo
vagueio em cova funda
porque estou semente
gozo no sereno
inerte
numa pedra de amolar
corro as sete freguesias
e fastio não me alcança
levo fachos de gritos
aonde me querem muda
replantando-me
dou cestos fartos
*
monotema
tu, morto de véspera
calado e constelado
sopras ao canto
um fiapo de ontem
um fiapo de homem
levas no corpo esse abismo
cisco de mergulho ávido
ventanias de dentro
incêndios no quintal
o mundo é esteira noturna
ruído coarado em sereno
manga explodindo no chão
amanhã te encontro de vez
voraz, abrirei teus cachos
chuparei teu sumo
beberei teus grânulos
re-colhida, vomitarei
saudade no pomar etéreo
gemidos na rede elétrica
*
alvissareira
sons de raios e rastros
displicente levanto
mapeio sala e varanda
alcanço geometria de galhos
fabrico devaneios contidos
[por isso: avoo sem aperreio]
magnetizo paredes em ritmo solo
distribuo escorrimentos
machados, flechas, tridentes
ornavam meus quintais
num piscar do instante
tua perna [hélice avulsa]
corta meu oceano em dois
chuva de faíscas
[in]continento-me
decalco still-aços no chão.