Cinco poemas de Diego Pereira
Diego Pereira é filho, irmão, amigo e foi apanhando abraços até virar poeta. Autor de “As árvores não têm veludo” (2020), tem se dedicado à escrita de duas obras pretensas: “Bilhetes que terminam” e “Era uma vez o frio”. Desta última, inclusive, despontam os poemas aqui reunidos.
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PANDEMIA
Todo o planeta havia adoecido.
O tempo, o homem, a palavra — também.
E o ar, rarefeito,
era o prenúncio do fim:
faltava ao abraço, ao sorriso,
à história.
De modo que as mãos
foram esquecendo as mãos.
E as bocas, as bocas. Percebes?
O poema está morto agora.
*
MANHÃ AVULSA
Era, e não era, um telegrama.
Era, e não era, um susto.
Para alcançar o avô.
Para alcançar o pai.
Para alcançar o filho.
Para alcançar a todos.
Era, e não era, um poema.
*
JAZIGO
E se a palavra não luzisse mais
entre os homens? Haveria lápides e flores,
na sepultura do tempo?
Alguém para chorar todo abraço
rompido e, depois, perder-se
no horizonte? Haveria esse poema,
de um aperto só,
porque está anoitecendo
e é como se nunca mais fosse
amanhecer? Quem rezaria a missa?
E os milhares de brasileiros
mortos, onde estariam? Onde?
*
SEPULCRÁRIO
Faz de conta
que este poema é um cemitério público
e, cada verso aberto, uma vala para dez ou mais caixões,
todos eles hermeticamente lacrados pelo silêncio
de dez ou mais histórias,
que alguém prometera preservar.
Não há mais restos
empilhados de um avô,
de um pai,
de um filho.
Não há mais câmaras frigoríficas.
Faz de conta, também,
que os corpos aqui reunidos agora jazem
e uma retroescavadeira terraplenou a espera.
Sim, nós bem sabemos as identidades.
Morreu um poeta.
Morreu um povo.
Morreu uma época.
*
RESPIRAÇÃO
A luta agora era por oxigênio,
naquele país; abrir os olhos,
a qualquer tempo, em todo lugar;
por mais alguns abraços,
viver; por mais uma história,
insistir.