Cinco poemas de Edelson Nagues
Edelson Nagues, mato-grossense (de Rondonópolis) radicado em Brasília, é poeta, escritor, revisor de textos e servidor público. Estudou Direito e Filosofia, com pós-graduação em Língua Portuguesa. Conquistou vários prêmios literários e tem textos publicados nas revistas eletrônicas Zunái, Mallarmargens, Germina, Musa Rara, Literatura & Fechadura e Samizdat, entre outras. Publicou os livros Humanos (contos) e Águas de clausura (poesia – vencedor do X Prêmio Literário Asabeça), pela Editora Scortecci, em 2012; organizou a antologia Respeitável público: histórias de circo e outras tragédias (Editora Penalux, 2015) e participou da coletânea Horas partidas (contos – Penalux, 2017) e da plaquete Tanto mar sem céu (poesia – Lumme Editor, 2017). É coautor do CD Anand Rao musica poemas de Edelson Nagues (edição dos autores, 2013). Os poemas abaixo fazem parte de seu livro mais recente, Palavras para estrangular silêncios (Editora Patuá, 2019).
***
Estio
Quando a palavra
gera na boca
[sobre o solo
rachado da língua]
o cascalho do silêncio,
as engrenagens
de um tempo de estio
estrangulam
metáforas e risos
entredentes.
*
Palavra em risco
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
[Augusto dos Anjos]
Como se houvera um tempo
em que já não fôssemos feras.
Como se se buscasse o alívio
de um oásis no Saara.
Como se a palavra em risco
rompesse o fio da espada.
E o veneno da serpente
não cegasse a visão da esfera.
E virassem brisa púrpura
as manchas no chão da sala.
E os traços curvilíneos
criados por mãos libertárias
limassem novos contornos
em homens feitos de arestas.
E o tempo, enfim, que se fora
seria o que nunca mais era.
*
Urbe
A cidade, espessa
[sístole e diástole]:
entropia urgente.
Motores e corpos
latejam desejos
no fumo dos becos.
Há ranger de ferros,
de ossos e de dentes
na junção dos díspares.
Um olhar caótico
depara o concreto
que empareda o medo.
As palavras-pássaros
jamais se capturam
nas gaiolas-mentes.
E bocas vorazes
engolem silêncios
e pastéis de vento.
Frêmitos no sexo:
um vômito cíclico
na pétala aberta.
Átimos de dor
reprisam-se em seus
eternos fragmentos.
E nenhuma placa
aplaca o desnorte
da turba que sofre.
A cidade-esfinge:
máquina que mói
putas e poetas.
*
Daquilo que corrói
Intransponível —
como um navio
atravessado na tarde.
Limiar de um tempo
em que vendavais
desalojam pássaros
nos desvãos da memória.
A carne da maçã,
amiúde negada,
subtrai o elo
que jamais houvera.
Mil dentes ocos
descarnam o silêncio
na sangria do verbo
que escorre dos corpos.
Olhos de vidro
a vazar o feixe
daquilo que, em mim,
se revela e se doa.
Mãos ferruginosas
garatujam espantos
em toscos grafismos.
E pés carcomidos
insistem no vício
de andar em círculo.
*
Do osso
O que está no osso
é muito mais do que
o que está na alma.
O que está no osso
é mineral, carbono:
arquitetura fóssil.
Não é só tutano.
É a vida mesma
em seu eixo físico.
Por dentro, sustendo,
o que não se mostra
em instância falsa.
Só o osso é vero —
em sua substância
de dura seca vida.
O de dentro do osso
mostra-se inteiro,
em fratura exposta.
O que se oculta
é a face externa,
de imagem líquida.
O osso é real —
como a essência
do que o circunda.
Já a alma, em si,
é fluida, evanescente,
e se dilui num átimo.