Cinco poemas de Elizandra Souza
Elizandra Souza é poeta, jornalista, integrante do Sarau das Pretas. Autora do livro de poesia Águas da Cabaça (2012) e coautora do livro de poesia Punga com Akins Kintê (Edições Toró, 2007), além de ter participado de diversas antologias literárias. Organizadora das publicações do Coletivo Mjiba como Terra Fértil (2014), de Jenyffer Nascimento, e Pretextos de Mulheres Negras (2013). Trabalhou como editora e jornalista responsável na Agenda Cultural da Periferia (2007 – 2017).
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Ciranda dos pássaros
Enquanto eu dormia
Os pássaros lá fora
Dançavam ciranda
E aqui do lado de dentro
As paredes refletiam
A tinta soltando do reboco
Malcolm vigiava
Com arma em punho
Bob acendia um alívio
Tupac me seduzia
Enquanto eu dormia
Os pássaros lá fora
Dançavam ciranda
O menino-homem
ou Homem-menino
Anoiteceu doce agarrado
Nos galhos do meu corpo
Nos tempos da modernidade
Já não temos vitrola
Mas a música nunca parou
Enquanto eu dormia
Os pássaros lá fora
Dançavam ciranda
O sol entrou pela fresta
As lembranças mosaicos
Passo a passo desenhado
Na estrada que liga vida-morte
Cada dia a mais e um a menos
Na ampulheta de quem sonha
*
Ensaio sobre nós
Nossas afinidades
Tardes de preciosidades
suco de cacau com graviola
um samba de Cartola
ele fumaça, eu incenso
ele melodia, eu silêncio
Nossas contendas
Resolvemos com oferendas
Ervas de benzedura
Mordida na cintura
Lambida no pescoço
Esquecemos do almoço
Somos estações do ano
Períodos de estiagem
Épocas de chuva
Uma manhã ele me seduz
Uma noite ele me ama
Entre maracatus e blues…
*
Revoada n’alma
Aquela sinfonia é a mesma
revoada que tenho n’alma
sabe essa agonia de quem
não sabe para onde vai
e volta para o mesmo lugar
É como subir as escadarias
de um morro nunca visitado
você caminha pé a pé
e não sabe onde finda
Há sempre um condutor
que te leva na morada
dos desejos de uma noite
eu não dormi com ele
mas ele dormiu comigo
seu corpo brasa vulcânica
Da janela de fora
Vem a agonia dos pássaros
Eles cantam por desespero
Não sabem pra que lado vão!
E eu só quero partir…
*
Estradeira
Hoje a poesia veio triste
Despedidas são sempre o vazio
O que não existirá mais
Essa dor que arranha a garganta
Embarga a voz
E essa liberdade das águas dos olhos
Caindo descontroladamente…
Hoje a poesia veio triste
Como a vitória regia solitária no rio
Como uma estradeira que não olha pra trás
Fecha a mala, tranca a porta
E segue em direção ao desconhecido
Engole a poeira, pisa firme nas pedras…
Não deixa saudades, não deixa Amor
Hoje a poesia veio triste
Como final de um espetáculo
Daqueles que só alguns vestígios
Permaneceram no público.
Daquelas conexões sem nenhum sentido
Histórias cruzadas por mero acaso
Não era destino, era a vida por um triz!
*
Redemoinhos
Quem pode prender essa ventania que mora em mim?
Essa fertilidade de espalhar boas sementes
De unir elementos contraditórios dentro de si
Tempo que se fecha sem chover, poeira do meu indizível. Fogo que alastra indomável pelo caminho
Águas que recuam e voltam com intensidade
Nesta instabilidade de nascer tempestade e dissipar-se fogo
Fecha meu ponto fraco, nas espirais dos meus ventos
Movimento o meu corpo para que ele não morra
Quem pode acalmar esse redemoinho de ser mulher preta? Este racismo que me desumaniza e me torna vazio
O invisível de todos os meus passos desfeitos
Sabe quando o mar desfaz as escritas nas areias?
Sabe quando o dia vai virando noite e tudo se torna mistério? Tem dias que a loucura mescla com a solidão
E eu me vi várias vezes vagando sem destino certo…
Eu tenho medo de que não se lembrem,
nossos passos vêm de longe e precisamos prosseguir…