Cinco poemas de Esther Alcântara
Esther Alcântara é paulista e hoje vive em Salvador (BA). Formada em Letras e especialista em Língua Portuguesa, atua na área editorial há 26 anos como editora e revisora de textos; há dois anos fundou a Carpe Librum Editora. Poeta, letrista e cronista, participa de saraus e tem poemas publicados em diversas antologias no Brasil e em Portugal, além de revistas e sites como Mallarmargens, Cult, Escambau e Gueto. A paixão por livros também a levou ao universo da encadernação artesanal e aos livros de artista. Desenvolve oficinas de encadernação e, em 2015, participou da exposição de livros de artista “Entre a dobra e a obra: memórias”, na Biblioteca Mário de Andrade (SP), com a obra Raízes. Em 2016 publicou o minilivro Vinte poemas para serem lidos com lupa, e em 2017 lançou o livro de poemas Piracema. Em 2019 organizou e editou a coletânea A mulher e o livro – uma relação em prosa e verso. No momento prepara nova obra poética.
***
Porque em relevo se revelava o verso
Eu logo vi a palavra
ali suspensa
virgem de(s)composta
sobreposta à pele
tumor de alma exposta
lava in-continente
transparente na verve
carne viva a implorar o hálito
de dragões
Eu logo vi a poesia
indisposta a calar
no verso do corpo
*
De tanto inverno
Só o frio
abraçava os ossos
e havia cansaço
sim, um peso
nas pálpebras
envidraçadas
e nus os joelhos
criados-mudos
suportavam a casa
Mas nenhum ruir
de pessoa
nenhum caco
ousava se soltar
só um assovio
roía os trincos
dos porões
até virar grito
na prosa do vento
*
Capitular
Quisera
florescesse
toda quimera
de cor
dos capítulos
essenciais
Não haveria
nudez
indecorosa
*
Amor em conserva
Estava ali
bem na minha frente
pichado no muro
das minhas pálpebras
escuras e escusas
você apostando
em nosso vício
fora de validade
eu franzindo os vincos
das têmporas
passados a ferro quente
pronta pra dizer
que não tem mais tempero
na salada de nós
que o tempo dissolveu
as formas delicadas
do teso amor
já estilhaços após
tantos nós
nos cabelos
e não restou delícia
na embalagem do fim
frasco de guardar
com fome
pra depois gozar
fresco de viver
amor em conserva
*
Poiesis
Faço da poesia
o meu canal
lacrimal
ao permitir que
a lágrima
escorra quente
por minha veia
poética