Cinco poemas de Everton Luiz Cidade
Everton Luiz Cidade é músico e escritor, de São Leopoldo/RS. Publicou os livros Santo Pó/p (MAKBO Editora), QuiÓ (oVo e GoDie), Bonde Transmutóide (Vibe Tronxa Comix) e ApareCida (Meu Santo Vendedor). Escreve nos blogs das rádios Armazém e Rockpedia e nos jornais No Palco e Seguinte. Recentemente, publicou o zine de poesia SCI-FI, Planto.
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Sílex
Sabe dos dentes o tigre
Em sua haste
O corpo
Que se baste consigo
Casta fundura
De sede
De seda
Já poucas
Mordeduras
Que se descubras
Em cobre
Cobras o ombro
Recolhido
Amor que me importa amor
E lazeres
Na cama de lázaro
Cinzel e cisne
Anjo pássaro
Em torno
Dos enfeites
Amor que me importa amor
Sem estorno
Dalai lama-deleites
Ócio e espanto
De calma
E doçura
Um rubi
Uma romã
Ranhura
Raio e rio
Manhã que pariu
A nudez
Da lã
Nenhuma alegria é vã
Sei-avaros
Sejamos raros-sei
Não sejamos severos
Nem só
Queixume
Grãos
Que planeiam
Coxas e mãos
Onde os deuses
Pranteiam
Seu azedume
E as deusas
Planejam
Caudaloso mundo
Para seu cardume.
*
Faunos
O leopardo lanceiro
De estação primeira
Escreve partituras
Tramando trameiro
A música das alturas
O fauno emerge traiçoeiro
Do abismo – ah – essa canseira
Na qual em amor me procuras
Quero perfumar as funduras
Quero perfurar o pão
Em simulação dentária
Em simulação panfletária
Cardíaca pra usuários de luminárias
Somos imponentes sendo párias
Senão ou seria a ausência
A mais bela ciência
Ninfa maternal – divinas glândulas mamárias
Em ti todos os líquidos
Sou crisálida – messias dos apelidos
Ninfa maternal – és ancestral.
*
Dança de São Guido
Andy Warhol não foi abençoado como um cervo sagrado
Num filme sobre dentes
Assim como me casei, não me casei com Harvey Dent
Num figurino mulher gato prodígio menino
Todos teus conselhos são invioláveis
Ainda que pouco sirvam a quem deles precisam
Eu aceito ficar doente
Se puder ficar quietinho no meu cantinho
Eu sinto a rejeição como um pão inchando no fogão
Como um peixe amando o anzol – seu, e só seu, é o sol
É de praxe incriminar o ressabiado criminoso
Andy Warhol dançava com São Guido
E ERA VAMPIRO e como todo vampiro
É telepata
Andy Warhol era vampiro de informações
Eu sou o vampiro da minha casta
Sendo assim, cumpro minhas obrigações
E me retiro
Pra que a luz seja direcionada a quem a segue
De forma desesperada.
*
Gume
eu mesmo
e meu corpo
guelra
gume
alfabeto
de fato
o que posso de mim
contar a ti?
de bruços
braços
remos
asas
esqueço
o espaço
e o mundo
que envergas
em tuas pernas
não falaste azaléias?
em breve teus pés
o que fala de mim pra ti
quem me descreve?
fruto
febre
na vaga
na voga
me esquece
antes me aquece
as tréguas
as fendas
a boca
bem sei pra que serve a boca
no invento de ser pássaro
e ser tempo.
*
Bill Burroughs seria meu papa, se eu me importasse com algo
Você poderia ter dado um tiro em andywarhol
E deixado basquiat triste
Você poderia ter sido feliz de forma pueril santa e singela
Mas você nunca ouviu caymmi
Você teria amado sganzerla
Os braços biônicos flexionados
Como manchas de pele queimada por uma caravela
Fluxos sugestionados
Foder com dor foder com amor
Que é o pleonasmo católico pra horror
Somos os desprovidos os exilados
Às vezes acho que pattismith tomou teu corpo
Cópia carbono kansas karaokê kimonoyokoono
Eu queria ter tua magreza elegante
Eu queria te ver atirando nos arrebatados no dia do arrebatamento
Eu queria te ter entre meus dentes e meu ventre
E roçar minha língua em tuas pálpebras, ouvidos
E lograr a torpidez dos amigos sumidos
Oswald de andrade te mataria com ciúmes infundados
Kurt cobain te chamou de útero você chamou rimbaud de útero
Morreremos todos comovidos
Fazendo nosso número
De místico exorcismo.
Nenhum homem – nunca – será um bom marido
O anjo deles já foi parido já foi banido
Não me venha com espadas brandindo
Caubói em terno de três peças
Teatro só em marrakesh
Naquelas bem nessas
Cancro crânio
Gira-gira pomba urina urânio
Courtney,
Love.