Cinco poemas de Felipe Fleury
Felipe Fleury. Formado em Direito, é funcionário público e mora na cidade de Petrópolis/RJ. Seus poemas integram as antologias dos 33º. e 34º. festivais poéticos do SESC/PR, 2017 e 2018, a antologia em e-book do concurso de poesias da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ-2018) e foram publicados na Revista Mallarmargens. É um dos organizadores do sarau poético “Saracura”, na cidade de Petrópolis.
***
Ao longo desta janela
Ao longo desta janela,
conto os passos das nuvens
desaparecendo na moldura.
Na noite defunta de outono,
ouço o trovejar dos corpos
despencando do céu.
Ao longo desta janela, passam:
uma formiga carregando uma árvore,
um vírus levando uma vida,
homens contando seus mortos.
Ao longo desta janela,
tudo passa, sem pressa,
à maneira de um préstito,
de uma ladainha de velhos.
É só das coisas mortas, no entanto,
que nascem os dias póstumos.
***
Efeméride
Para Ágatha Félix, em memória
Li, em algum lugar,
que um caracol pode
dormir por três anos.
Se tivesse pálpebras,
passaria por esta noite
num piscar de olhos,
sem perceber o infinito
destes dias nem ouvir
crianças baterem à porta
pedindo socorro,
crianças de oito anos que não
deviam pedir socorro
só porque moram
no morro e não andam
em kombis blindadas.
Crianças de oito anos
não aprenderam a morrer
nem de mentirinha.
Li, em algum lugar,
que um caracol desperta
num dia de sol,
entre bolo, balões, parabéns,
junto da menina que sopra onze velinhas.
Nenhuma se apagando.
***
Vertical
Depois de ouvir Eucanaã Ferraz
Percorrer a inexatidão das nuvens.
Buscar, na vertigem da palavra,
o espanto in natura.
Tatear o silêncio das paredes
de um oblongo abismo,
sem bordas nem ângulos,
até descobrir o poema
: vertical, longilíneo, úmido,
no rumor latejante entre dois infinitos.
***
Nesta hora
Abrem-se à claridade do mundo.
Não como de outras vezes.
Abrem-se sobre os escombros
de arranha-céus e escarpas,
onde o tempo passou o tempo,
brincando de esconde-esconde.
Abrem-se na cama velha
– que se recusam a deixar –
olhos de chama breve,
de um animal a extinguir-se.
Podem fingir-se de mortos,
tentando esconder a vida,
pelo menos a montureira da vida.
De que adianta, todavia,
se o silêncio do tempo vara
os olhos mais bem fechados,
a pele, os ossos, o pensamento?
Se o fogo do tempo
todo instante consome,
e não adia o incêndio
nesta hora, agora?
***
Ópio
Fones de ouvido, smartphone,
netflix na tela côncava do
cone, redoma, zona de proteção
e conforto, impenetrável ao que
distrai e fere.
Absorto no tempo inepto,
que não confere
com o relógio, do outro tempo,
de última temporada.
Deixa-se enroscar num abraço
viperino, de serpentes seriadas,
que se emendam, enredam, tramam
e contra o qual não há resistência.
Só a expectativa do anticlímax
do longa-metragem diário,
incomoda.