Cinco poemas de Helena Arruda
Helena Arruda nasceu em Petrópolis, RJ. É mestra e doutora em Literatura Brasileira (UFRJ). Poeta, contista, ensaísta, pesquisadora e revisora, é autora dos livros Interditos – poemas (Batel, 2014) e Mulheres na ficção brasileira – ensaios (Batel, 2016). Publicou também nas antologias: Elas escrevem; Moedas para um barqueiro (Andross, 2011); Por detrás da cortina; Amor sem fim (Beco dos Poetas, 2012); A literatura das mulheres da floresta (Scortecci, 2013); Hoje é dia de hoje em dia: literatura brasileira do século XXI (Multifoco, 2013); Rio dos bons sinais (CMD, 2014); O protagonismo feminino (Scortecci, 2016); Escritor profissional (Oito e Meio, 2016); Mulherio das Letras (Costelas Felinas, 2017); Mulherio das Letras (Mariposa Cartonera, 2017); Tabu (Oito e Meio, 2017); Casa do Desejo (Patuá, 2018); Mulherio das Letras (Edição do Autor, 2018); Mulherio pela Paz (Edição do Autor, 2018); Ficção e travessias: uma coletânea sobre a obra de Godofredo de Oliveira Neto (7Letras, 2019); Ato Poético (Oficina Raquel, 2020); Ruínas (Patuá, 2020). Helena é também membro do corpo editorial da Revista Topus – espaço, literatura e outras artes, da UFTM. Atualmente, dedica-se ao seu primeiro livro de contos e à pesquisa acadêmica relacionada à literatura brasileira do século XXI. Os poemas inéditos “Ateísmo”, “Identidades”, “Roupa sem corpo [ou releitura]” e “Das pequenas felicidades que me movem” estão no livro Corpos-sentidos. Editora Patuá (no prelo). O poema “A mulher habitada” está no livro homônimo, ainda em fase de escrita.
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Ateísmo
poesia é reza
interseção entre o divino e a imundície
dos porões do pensamento, impregnados de fezes
e de sangue coalhado
[de dores]
palavras amareladas pelos raios de sol
[do fim do dia]
que entram pelas pequenas frestas da imaginação
[e te fazem delirar]
sobre as montanhas atlânticas
e os pampas argentinos cobertos de pendões
[dourados-solitários]
balançando com as horas intermináveis da espera
[do mar]
poesia é labirinto de Creta, construído por Dédalo,
para guardar as misérias do mundo
é o fio de ouro de Ariadne que protege do caos seu homem,
que não a poderá salvar jamais
[tragédia anunciada]
*
Identidades
o coração apertado busca memórias
[identidades]
e a boca diz palavras soltas
[desconexas]
[incertas]
nossas línguas contrastantes convergem e se tocam
[sotaques famintos]
o pensamento sai de mim e caminha vazio pelos livros
que meus-olhos-de-sal acompanham solitários sobre a escrivaninha
do seu-teto-todo-meu
a guerra das palavras cotidianas me vence
[caneta]
[papel]
nada mais sensual que papel em branco aberto sobre seu ventre
prestes a ser germinado de palavras
[suadas]
[aleatórias]
[exaustas]
palabras que me gustan y que se escribirán sobre la blancura de tu cuerpo
[argentino]
[te quiero muchísimo]
em contraste com o meu,
[tecido pela trama étnica do oriente]
uma mulher não precisa de nada
uma mulher nasce contendo todos os duplos do mundo
[todas as cores]
nossos corpos caminham livres e vão completando lacunas
e enchendo de vida as memórias fatigadas
[do verão]
*
Roupa sem corpo
[ou releitura]
hoje,
o melhor corpo para minha roupa
é aquele descoberto
das exigências
que o tempo traz.
*
A mulher habitada
(i)
a mulher habitada, perdida nas lembranças da poeta, carrega todos os seus contrastes
[e seus medos].
enredada em seus pensamentos, ela busca a luz nas janelas do tempo, que batem com o temporal que prenuncia.
sozinha, ela recolhe as roupas coloridas dependuradas nos varais da memória.
ao longe, o sol doura a plantação de trigo,
que ziguezagueia na ventania, sussurrando-lhe segredos.
vagarosa, ela caminha na tempestade, iluminada por suas conquistas cotidianas.
(ii)
a mulher habitada vive com seus pés bem fincados na terra úmida e movediça,
onde germinam desejos e palavras e grandes florações de camomila ou de uvas ou de amoras… tanto faz.
ela não precisa provar que é capaz de ir (ou de ficar). vive apenas e
burila as estações do ano:
planta e colhe e cozinha seu alimento e alimenta seu espírito faminto.
o corpo, não.
o corpo flana na multidão e olha para todas as direções e
retorna ao ponto onde tudo começou.
corpo-circular.
*
Das pequenas felicidades que me movem
li por aí pelo mundo que fascistas acham inútil a poesia
nos acham todos loucos e alucinados e bêbados,
mas têm um medo danado da nossa liberdade
[leitura]
então tive um ímpeto de felicidade e de esperança
[fé]
decidi seguir
me-sendo-o-que-sempre-fui
[poesia]
fascistas não passarão,
mas eu-passarinho-no-ninho-das-palavras
sobrevoo o mundo e
vejo que ainda há solução
e sigo mirando com meu fuzil imaginário
somente o amor
na tentativa de curar a dor
[resistência]
paolo lim
Ah a poesia…
Esse mistério do dizer que nos envolve, despe e elucida,
um canto de amor, uma canção de despedida.
sorriso de criança, uma bala perdida.
helena arruda –
passarinho da serra cuja beleza e força do cantar
estimula a vida, nos faz pensar
na declinação perfeita do verbo amar. Paolo lim