Cinco poemas de Hernán Contreras R.
Hernán Contreras R. (Santiago do Chile, 1990). Em 2017, ele foi selecionado para integrar a antologia poética Pânico e loucura em Santiago (Editorial Santiago-Ander, 2018). Ele é o autor de Proyecciones (La Maceta Ediciones, 2018) e de Trayecto por alguns dias (Ediciones Filacteria, 2018), obra que recebeu menção honrosa no concurso internacional de poesia «Rostros» 2018, Colômbia. Durante o ano de 2019, ele foi selecionado como finalista no Concurso Literário Internacional Gonzalo Rojas Pizarro e, no ano de 2020, integra a antologia Vozes territoriais, a comoção na rua (Editorial Estructuras Rotas, 2020).
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De Arritmia (não publicado)
Extremos
A borboleta não se lembra que já foi lagarta
assim como a lagarta não pode adivinhar que será borboleta
porque os extremos do mesmo ser não se tocam.
Enrique Lihn.
Ver o sol em um (num) vidro no chão
as duas da tarde, um dia de inverno.
O calor já foi embora há meses,
no que poderia ser uma garrafa quebrada
encontram-se tardes de verão,
o barulho dos álamos e uma criança correndo.
É só um vidro,
acende por alguns segundos e aparecem
as imagens de uma estação contrária.
Queremos frio no calor e calor no frio,
bebemos cerveja ou vinho
para alcançar o outro extremo,
o menino alcança seu objetivo
com o ruído de uma folha de álamo em seus sapatos.
A luz já não vem do vidro.
Agora, vês o sol em uma poça
que ainda não se seca.
Agora, tudo parece indicar o seguinte:
O solo contém o céu na água da chuva de ontem.
*
Então, queria morrer
As sereias vão embora e eu imploro que me levem.
Quero um lugar onde meu peso não valha nada,
onde minhas lágrimas se confundam com o entorno,
onde os raios de sol se dispersem,
onde veja pedras macias,
onde sinta que milhares de pequenas bocas me devoram.
As sereias vão embora, mas não me levam.
Sigo aqui, vivo,
sem saber se a janela é um espelho ou um portal,
um convite para saltar
em um mar que só vejo com os olhos fechados
e com a língua no canto da boca.
Queria morrer,
mas só consegui imaginar a morte
dentro de uma ambulância que se dilui
entre arvores e fios elétricos.
*
Pausa
Ver o céu nos morros, o mar na poca da esquina
lá onde navegavam pela mesma mão que os fazia.
Ver os morros no mar, o céu no mar.
Lá tudo foi espelhado
até o mundo e meu rosto
eles estavam saindo com as ondas causadas por uma folha caída
que o menor vento tinha soprado.
*
De Vozes na barricada (não publicado)
Intuição
Se eu não escuto mais verdades
mais do que quem eu nem sei o nome
que certeza tenho do meu julgamento
do que eu acredito e não acredito:
um mundo de fogueiras nas ruas e estrelas que se iluminam
nas janelas dos edifícios
acredito
eu vejo isso
eu escrevo
e assim, é uma verdade que não é tão minha nem tão deles
ou de quem cujo nome ainda não sei
mas que falou comigo
antes que eu escrevi e vi tudo isso
do fogo nas ruas e de edifícios que se iluminavam como sóis
agora entendo a imagem
não foi algo que aconteceu
mas algo que tinha que acontecer.
* escrito em março de 2019, 7 meses antes de 18 de outubro, o início da revolta social no Chile.
*
Não há mais alegorias
como é fácil olhar para o mar
e um céu com mais estrelas do que o habitual
ser inspirado pelo vento que varre as folhas do telhado
como é fácil ver coisas belas
em um lugar aparentemente pacífico
poderia ser fácil
mas é uma fantasia
se o fogo está se aproximando
e sua luz lança sombras nas suas costas
sem necessidade de caverna ou correntes
agora
não há desculpas para cegueira
agora
nós vemos através da fumaça.