Cinco poemas de Ian Veink
Ian Veink é um monstro submundano que veio para a Terra provar das mais variadas emoções humanas desconhecidas do seu lugar de origem. Embebido pelos sentimentos subversivos de sua transmutação social do submundo para o planeta terra, tenta decifrar as mais variadas formas de construção social conhecidas registrando suas experiências em seu humilde site na plataforma do WordPress.
Site: ianveink.wordpress.com
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Meu corpo azul sozinho
O frio chegou aqui cedo demais
As cobertas já não dão conta
E as extremidades em tons de roxo estremecem tão rapidamente quanto as lembranças do seu calor.
Que como fogo ardia ao meu lado
Os corpos azuis e pálidos que entrelaçavam
Agora são apenas momentos
Que mantenho em meu peito enquanto em posição fetal tento me aquecer
Por milhares de vezes a ausência da tua luz me acorda de madrugada
Após pesadelos quase tão aterrorizantes quanto o próprio amanhecer
Me recolho
E baixinho sussurro a mim mesmo algo reconfortante
Conserto minhas partes quebradas
E tento sobreviver a mais uma das gélidas noites
Do inverno que chegou tão apressado
E que talvez nunca vá embora…
*
Outdoor
Vi uma pomba branca
Anarquista
Por entre o caos da existência
Sinalizei com o som mais agudo que pude
Do poema seco
Tossindo como tuberculose
Das malditas artérias entupidas
Das narinas que escorrem sangue
Das últimas palavras proclamadas pelo doente que urina nos meus ideais
Sonho com o dia que as placas de metal caiam como tantos de nós
Que no fundo dos esgotos os ratos durmam em seu cadáver
Enquanto em meu casebre fecho a porta do banheiro
Feng Shui.
*
Lápis branco
Em uma tarde quente de verão
Queimo
Em meus lençóis enquanto frio
Meu corpo escorre na aquarela
Que pintamos abraçados
Após dias e noites
Seco
Sexo
De saco cheio
Coração vazio
Pego no sono sobre a indiferença da frágil poesia que linha por linha desenvolvemos
Na memória de cada toque mundano
Das toalhas de banho usadas várias vezes
Deixei me levar por seus gestos
Gostos
Gozos
Prazeres que sinto com meu novo corpo
Sem a noção sensorial que tinha antes
Em uma certa noite me tornei um canalha
Sujo
repulsivo
Agora restam as consequências
Poesia barata
*
Absolutamente nada
Aqui não existem mais pássaros voando do lado de fora
Nem formigas comendo uma folha
Nenhum gatilho dispara a noite pela vizinhança
A mulher do mercadinho não cobra mais noventa centavos por pagar o cigarro no cartão
Os dias seguem
E eu não lembro o que a palavra “afeto” significa
Não vejo o céu azul
Nunca mais olhei pro sol
Nem fui a praia
Não quero mais fazer nenhuma tatuagem
Desisti de algumas coisas
Estudei algumas matérias acumuladas
Fingi estar vivo
Sorri
Deitei sozinho ouvindo Caetano
Machuquei a língua
Duas vezes
Duas
…
Não cantam mais pássaros por essas bandas
Não tocam mais violinos enquanto cozinham
Não durmo, como e muito menos penso
Os dias seguem
Quebrei o varal
Acabou o café
A mulher do mercado sequer existe
E eu muito menos.
*
Buracos no sofá
Das linhas tênues
entre biografias caseiras
e sons ao lado de fora
dos disfarçados dias de pranto
até as descaradas poesias
frias como minhas grandes mãos
sólidas como a dor que esmaga
Escrevi a ti em meio aos buracos do sofá
e aos do meu peito
que alguns dias atrás
entre os sons de carros
e as biografias mentirosas
te vi
e sem querer me despedir apenas
absorvi, branda tua calma
e loucura
em um piscar de olhos
enquanto descia a rua
sobre a última sombra
que chamei de sua.