Cinco poemas de Isabella Bettoni
Isabella Bettoni (Belo Horizonte, 1996) é advogada feminista, pesquisadora e escritora. Seu primeiro livro, “Brincando de fazer poesia”, foi lançado em 2008 pela editora Uni Duni, com poemas para crianças em fase de alfabetização. Recentemente participou das antologias “Antes que eu me esqueça: 50 autoras lésbicas e bissexuais hoje” da Quintal Edições e “Coleção Desaguamentos Vol. I – Poesia de autoria feminina” da Editora Escaleras, ambas publicadas em 2021. Além disso, faz parte da grupa de mulheres poetas “Poesia existe na história”.
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Fronteiriça
(palavras recolhidas do texto de Gloria Anzaldúa ou outras formas de fazer fichamento)
sou uma alma entre mundos
não tenho país, então todos os países são meus
posicionada entre, estendendo-me sobre,
como estar nas duas margens do rio
simultanea/mente
tenho que me mover constante/mente (rigidez significa morte)
e o movimento cria, continua/mente
uma quebra
e uma síntese
é preciso abraçar a ambivalência a multiplicidade
a perplexidade: inúmeras possibilidades me deixam à deriva
em mares desconhecidos
a inquietude
podemos trilhar uma outra rota
Poema publicado em: https://www.editoraescaleras.com.br/produto/609675/colecao-desaguamentos-vol-i-poesia-de-autoria-feminina
*
O bicho
Um bicho enorme atravessa a rua no centro da cidade
como se fosse tão cotidiano quanto o foto-na-hora-foto-vendo-ouro-compro-cabelo é um bicho um pouco maior do que o pirulito da praça sete,
ele faz uma sombra estranha no encontro das avenidas,
e caminha lentamente ao lado daquela placa que diz
proibido virar à direita, proibido virar à direita
se o bicho não vira a direita, para onde ele vai? para onde é possível ir? será que os carros param, será que o mundo se suspende, será que as pessoas interrompem a corrida e descem do ônibus pra ver?
será que ao acordar de repente com um susto assim as pessoas
param pra ver o que nunca foi visto
ver o que nunca foi visto
e para onde ele vai?
*
Não tentar domar bicho selvagem
Primeiro
Circule lentamente a solidão, provoque-a,
E depois,
corra,
De preferência sem sapatos,
Mesmo
sabendo
que ela
A solidão
é muito mais rápida
Do que você
Então mostre
à solidão
os dentes
Que rangem à noite
Mostre
a língua
Áspera
Rosada
Selvagem
E um pouco seca
Permita-se ser
Capturada
Pela solidão
E quando atravessada e presa
quando perceber: sem saída
Não há
Não há
como fugir
(de si)
Vença pela entrega
Mergulhe
Mesmo com medo
Não há não há
Como fugir
Por isso
Seja riso
Aberto,
alto,
frouxo,
leve,
E tudo bem se o riso for também um pouco triste
*
Amor mulher
Amar mulher: a que fui / a que sou
quando junto dele / quando junto dela
quando junto
de tu
pelas manhãs
quando acordo comigo (eu durmo comigo) e junto de mim
pelas manhãs
Amar mulher: a que fui / a que sou
*
fobia
o mundo sente muito medo de mim
e por isso tenta me matar
dizem:
não existo
sou um ser errante
uma confusão de cálculo
que logo vai se acertar
ou
desviar
de vez
dizem:
é mentira
eu os engano
(não) é possível
um desejo dançar assim
o mundo sente muito medo de mim
e até os amigos
me machucam
com suas réguas
eles tiram as minhas medidas
há o certo e há o errado
o excesso: não gostam
cortam
editam
melhor assim
eles tiram as minhas medidas
dizem: não é dor
dizem: não é amor
o discurso é claro (branco, quase transparente): é sobre a liberdade de amar
mas eis
a lista e os requisitos
de como
se pode desejar