Cinco poemas de Leandro Rodrigues
Leandro Rodrigues (1976) nasceu em Osasco, São Paulo. É poeta e professor de literatura. Lançou em 2016 o seu primeiro livro: Aprendizagem Cinza (Ed. Patuá). Participou em 2017 da antologia Hiperconexões 3 (Ed. Patuá). Em 2018 lança seu 2º livro: Faz Sol Mas Eu Grito (Ed. Patuá). Publicou poemas em vários sites e revistas de literatura do Brasil, Portugal, Espanha e Estados Unidos. Mantém seus escritos no blog [nauseaconcreta]
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Representação
O mundo inteiro
invade a vidraça
num golpe
Retiramos do quarto a memória
Impregnada de mofo – assoalho
ar de fuligem
O mundo inteiro
é distante
pode ser servido
frio
em prato raso
pode ter o gosto
ácido
de chumbo
na toalha fina do desprezo.
*
Faz sol, mas eu grito
Para Thiago de Mello
I
fartas horas inúteis
em que tragédias são recicladas
e se moldam por entre sombras e gestos desprezíveis
molduras da tarde disforme
ela diz:
“que tempo estranho…”
Estendo as mãos ao vento
algumas gotas ácidas corroem o meu desprezo
Reinvento uns versos esquecidos e ancoro tantas embarcações
em lugar nenhum
Enquanto a nova empresa americana ergue suas cercas
Modulo o tom de voz para não gritar
Mas antes pudesse gritar
II
ruas imóveis sangram
como essa lua vermelha
que escorre
entre os corpos desmedidos
estranhas estruturas de ossos
que sustentam ossos
aguda solidão
d’água cavando
o sólido chão
intacta simetria
de cada grito
moldado ao sol.
III
quartos, cômodos
corredores em espirais
bocas automatizam
cruas faces/membranas
em cruzes
sombras esquálidas
de meninos esquecidos
nos porões
frios
sem vista para o mar.
*
Poema obscuro
Cansaço
Olhos negros/ escuros
fechados/ turvos
como a noite
como o país.
*
Golpe
Um único golpe
E os dias sangram
Um único golpe
E as palavras sangram
Um único golpe
E o país sangra
feito poema.
*
Ode imemorial
(as garras)
a morte estreita suas unhas
numa branca noite de lua
disforme
no reflexo frio dos cacos do espelho
retorcido
(os cortes)
a morte afia seus cabelos
qual lâmina obcecada e intacta
resguarda no grito – a revolução
e serra as grades
para o infinito
esquecimento.