Cinco poemas de Lisa Alves
Lisa Alves (1981) é autora de Arame Farpado, mora atualmente no Rio de Janeiro. Faz parte do conselho editorial da revista Mallarmargens, é co-editora da Liberoamerica (Espanha) e resenha livros para a revista Incomunidade (Portugal). Tem textos publicados em diversas revistas, jornais e páginas literárias no Brasil, Espanha, Inglaterra, Moçambique e Portugal. Tem poemas e contos publicados em doze antologias lançadas no Brasil, Argentina, Chile, Espanha e País Basco.
Os poemas foram extraídos de Arame Farpado (2ª. Edição, Penalux, 2018).
*
Entre quedas e Newtons, mordo a Maçã
Em seus ombros eu trilhava o mundo,
estava nos ombros de um gigante – como um dia esteve
[Isaac Newton.
Já cedo, antes de maçãs caírem,
eu sentia o poder da gravidade
(meu pai sempre caía e eu o seguia).
Primeiro porre aos doze.
Será que a primeira maçã sentiu vergonha?
Aquela que apontou o caminho e não
exatamente aquela que nos cuspiu do paraíso.
Penso nisso,
penso na maçã,
em Newton,
em meu pai
e no simbolismo.
Penso que se eu fosse a maçã teria
me envergonhado de ser assistida
em uma queda individual, pois se
naquele momento histórico todas
as maçãs tivessem caído, Newton
pensaria em terremoto e não em gravidade.
Toda vez que quedo penso nele (no tal do Newton) e
olho para os lados para ver se servi de protótipo para algo maior.
*
Recado de um Náufrago
Antes que seja tarde,
alargue a porta e navegue o mundo! – gritou o avô.
Antes que seus dentes desmoronem,
prove todas as classes de maçãs.
Pois amanhã a seca invadirá o quintal,
a guerra destruirá as pontes e quando
se der conta se verá limitada às rações e viagens à padaria.
*
Do Espírito do Capital Bruto
Vaza na margem,
saltos já gastos
de tanto caminhar
em homens de pedra.
“Mulher-dama sim, senhor!”
Rapariga dos anos 80,
rainha dos botequins de esquina,
amante do rei (do crack),
casada na rapidinha
com o primeiro que abrir a carteira.
Filha da Puta e do Santo do Pau Descamisado.
Maria como nós (as outras),
virgem de amor,
crucificada pela navalha da concorrente.
Fali,
falece,
com sua bolsa de valores
no zero.
*
Lagartixa
Nasceu recortada – um membro para cada ponto cardeal.
Na quinta estação ela se juntava – bem longe dos olhos
da humanidade e daqueles seres colossais do laboratório.
Sina de ceder o rabo em qualquer encruzilhada.
Perdida, sozinha, embrulhada no
estômago arruinado da civilização.
Sobrevivente do deserto, da neve,
da fome e da matilha de michês.
Na face uma maquiagem balava
desfeita dos olhos à boca.
As pernas desgrenhadas eram carregadas
pelo gene da sobrevivência.
Se tinha Deus era o Diabo
Se tinha fé era na própria desgraça
CINDY CHUPETA, VALKIRIA VALADÃO,
VERUSKA BOMBOM, VICTORIA HOUSE.
Lagartixas trucidadas (noticiou o jornal).
*
Comédia de uma Sociedade Privada
aos olhos de uma filosofia não acadêmica e
in memoriam de Diógenes (o pai dos cínicos)
Semelhante aos cactos é a mente
de quem se leva muito a sério:
ornamental e espinhosa.
A Filosofia me seduz,
tal como o riso,
tal como o medo ingênuo
de coisas visivelmente
superadas pela espécie:
altura, escuro, profundidade e fogo.
Quando alguém declara “Fui além!”
desço os olhos de imediato
para que o meu sarcasmo não
soe agressivo demais
e eu não converta o assunto
em um debate sobre o Übermensch
de Nietzsche ser apenas uma
alucinação de sua sífilis
e não um prognóstico para a espécie.
Eu não levo nada a sério,
aprendi com o pouco de vida
que no final terminamos
trajando fraldas e em busca
de um novo cordão umbilical.
O tempo nos lê todos os dias
a lei enérgica do eterno retorno
e nem a didática foge à regra:
repetições,
ponteiro do relógio
e onomatopeias do tempo:
guerra, paz, guerra, paz,
guerra, paz, guerra, paz,
guerra, paz, guerra, paz
(ad infinitum)
Eu nunca compus
um poema livre,
não consigo descobrir
um sentido franco para a liberdade
e nem tenho seriedade suficiente para
significados permanentes.
Eu nasci para a comédia,
eu nasci para a colmeia,
para um canto de legiões & gralhas
que riem da própria falta de graça
ao assistirem o gato comer
o rato que roeu a roupa do rei
quando almejavam mesmo
era ver o gato se aliar ao rato
e roer o Rei por inteiro.
IVY MENOn
SHOW ABSOLUTO!