Cinco poemas de Lorena Medronho
Lorena Medronho tem 22 anos, é poeta, contista e pesquisadora ambiental. Vive a se questionar, afinal de contas, se os dias mais belos são ensolarados ou chuvosos. Acabou de publicar seu primeiro livro solo de poesias: me avise quando for desligar a luz, pela editora multifoco.
***
escatológico
A sensação corroía o corpo inteiro,
invertia tudo que havia de bom,
ardia feito remédio.
Era o escatológico, o cru e direto escatológico,
estalando o fogo de dentro… E eu sabia
apenas porque não poderia ser outro,
não podia ser dito, não tinha nome,
não tinha etiqueta, não tinha finalidade,
não tinha direção, era o escatológico.
Eu já havia me acostumado com ele.
Quando vinha, era preciso escrever.
Dormir ou escrever, jamais falar.
Falar do escatológico é como
propositá-lo, encaixotá-lo,
deixaria de ser o que é
e geraria náuseas.
Então não, não falo dele.
*
19.
vamos reinventar
o sofá?
que tal passar uns dias
no teto?
desenhar nos tapetes?
vamos recriar o cotidiano?
ver se,
quem sabe assim,
a despedida vem depois
dos créditos.
*
deveras minto
tensionar o tempo
num verbo
sem imperativos.
desperdiçar os dias:
verbo prolixo
em eterno soluço.
*
[…]
o espelho da minha avó
tem cerca de 40 anos.
40 anos.
e ele já esteve
no banheiro
no quarto
em outro quarto
outro
e mais outro.
um espelho redondo,
profundo,
emoldurado em madeira escura.
me diz tanto,
da vida como um todo
[e há todo?]
me sinto julgada
toda vez que generalizo
meus pensamentos
quando olho para ele.
também quando exponho
dúvidas.
a verdade
é que ele não diz nada.
mas eu fico sempre ali
me questionando
quantas pessoas
fizeram o mesmo que eu
e para quantas pessoas
era ele quem estava olhando.
eu espero que ele não seja esquecido
e que não me esqueça.
*
cotidiano
quem me dera ser o
pássaro branco na br-101
um ponto no céu
planando no ar
eu era a poltrona 24
num ônibus azul
sempre apressado
para chegar
no mesmo lugar