Cinco poemas de Lucas Trindade da Silva
Lucas Trindade da Silva, professor de sociologia na Universidade de Brasília (UnB), formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisa principalmente nos campos da teoria sociológica e teoria social. Publicou, em 2016, o livro Max Weber e a Formação Conceitual do Capitalismo (Editora UFPE), também publicou em 2018 o seu primeiro livro de poesia, Entrelugar do Tempo (Editora Patuá).
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ardoroso canto
debulhado pelos calos de uma mão
ante a fina densidade das sombras
cantará as dores
até que as fibras concentradas da alma respirem
até que a valsa encerrada há mil anos retorne
e as fontes negras do dia voltem a ser louvadas
harmonioso encontro das dissonâncias
e ardor
não só desejo
nem só volúpia
ardor
das mãos atadas a outras mãos tão calejadas
descompassada união
________de pés
como tambores
e sagração
das loas ancestrais
conta-me
ao cantar
de melodias e sabores olvidados
e a mim sugere –
olhar cravado sobre o breu do tempo hoje –
que o insuportável peso do absurdo assolador
tem cores claras
carrega olhos
que não cansam
de brilhar
*
distantes repousam os tempos
em que a’lvura de imensos corpos adultos renomeavam-me pânico
em que via o cerrar dos punhos e semblantes
dirigido ao excesso luminoso da pele negra sob o sol
ou sob o leite denso derramado na cacimba das terras escuras acima de nós
aprendi a costurar os trapos da mágoa com a linha da memória
e a agulha sorridente das lutas travadas em fronteiras daquilo que já não sou nem fui
fortificada
passo sobre os cacos do tempo
para isso tenho agora a pele dos pés retorcida e áspera
quando não
entrego,
dedos pelos dentes e entranhas, como seda e sede à tu’amora língua
para ti morada, caçador
a rondar sempre o domínio do meu alvo
*
bosque
emboscada
teu cerco de fogo e brisa
tua graça flagela e salva
nascida no tempo dos temperos fortes
uma garra atravessa a superfície melancólica do mundo
________________________________e de mim
sobrehumano é o ser sem medo
marejar dos olhos em busca do além que mora no oco da palavra
*
me diz das tuas vontades de sal
de escama azeviche no azul
a nota no braço das minhas andanças
a trama do canto que entrona teu corpo
exclama nos pontos tangentes da queda
os saltos antigos… a fome de voo
me diz das tuas vontades de sal
de couro dourado deslocas as ondas
acima de tudo este solo queimado
abaixo as fontes trançadas no tempo
espanto que rói a vontade de som
e o corpo largado na areia
ou susto que lança à verdade do sonho
e o corpo adentrando lugares não vistos
me diz das tuas vontades de sal
me diz das tuas vontades ao só
na língua te trago um melaço da cana
no peito me lanço querer de sargaço
*
saúdo o mar que vem no teu suor
o bronze. o âmbar
o mel das tuas palavras de fogo
saúdo os frutos que são tuas raízes
as tardes oblíquas de dias rasteiros
planos. bidimensionais
saúdo as fontes diversas do teu corpo
as tuas colheitas
tuas faces roídas
e renascidas
tuas faces febris
saúdo o suor
____o rubor
a gargalhada
o alívio da doença
as dores do corpo são
flor sombria das cores reluzentes
__e os nossos negros
_______negros
____negros carnavais
saúdo a vergonha e a lascívia
saúdo o teu ofício
saúdo mais uma vez
no abraço da despedida
as fontes
e as corredeiras que nascem de ti