Cinco poemas de Maíra Viana
Maíra Viana é uma mineira nascida em Belo Horizonte, de 20 anos e que desde cedo anseia pelo ventre do mundo. Encontrou nas palavras a sua própria voz – que quase sempre é um grito – e se aventura na arte como água que escorre por entre as brechas do caminho. Participou de duas antologias (Marcas Eternas e Nanquim – Editora Andross) em 2015 e publicou independentemente o seu próprio livro de coletânea (Isso Não É Um Diário) em 2020. Também possui um canal no Youtube (Vestígios de mim) onde recita poesia.
***
é bonito escrever sobre o amor e a força e a decepção
porque a vida é mesmo repleta de magia e de brutalidade
mas é quando chega na hora do almoço e não tem ninguém em casa
que eu posso dançar sozinha no meio da cozinha e cantar e agradecer
simplesmente porque o sol apareceu no meio do dia nublado e isso me fez bem
e assim eu entendo que as paredes da minha casa, sabem muito mais do que muita gente
que o silêncio me guarda muito mais do que as palavras de quem passou por mim
e achou ter me conhecido.
*
seu corpo dança em meio a quatro paredes e você chama isso de experiência divina
mas você se recusa a entender o que meu peito sente
não enxerga com amor aquilo que me move
não me faz perguntas honestas como alguém que de fato quer saber a resposta
seu corpo dança em meio a quatro paredes e você chama isso de experiência divina
acho que a religião é mesmo um campo muito abrangente
e numa dessas ruas
nós encontramos um Deus cujo nome é o mesmo
mas eles não se parecem
em absolutamente
nada.
*
eu li que não há nada mais excitante do que fugir com o homem que se ama e lembrei de você, menino
e é estranho escrever isso porque tem anos que não te escrevo nada, mas veja bem
o tempo tem sido duro e eu tenho me perdido e me encontrado tantas vezes
que já não sei mais aonde é o ponto de partida e o de chegada
mas isso me lembrou de você
me lembrou do sentimento que eu tinha quando conversávamos horas e horas a fio
lembra?
das nossas gargalhadas e planos mirabolantes
brincadeiras e devaneios
do nosso amor avassalador e sentimental.
me lembrou de você porque eu sentia coragem quando sua voz atravessava meu peito e achava que podia conquistar o mundo
não sei se posso
mas você me fazia acreditar que sim
que eu podia conquistar o mundo e que você viria junto
mas cá estou eu a te escrever anos depois
sob uma nuvem cinzenta do outro lado do oceano
sem ter feito nada
porque você me dava coragem
e agora que nós não somos mais os mesmos
eu sinto medo
e só.
*
meu peito é um buraco negro onde nenhuma palavra tem saído ilesa
tudo que escrevo é resto
tudo que sou é consequência.
meus dedos trêmulos gotejam mel e eu me lambuzo numa mistura de desejo e angústia
um gemer agudo e latente
mas que logo se deleita numa tristeza que não me atrevo a encarar.
acho que Nietszche estava errado
porque eu tenho evitado o abismo
e, cada vez mais, sinto seus grandes olhos queimando em minha pele;
olhos devoradores e cruéis.
a falta e o excesso
de mãos dadas
me guiando cegamente para um caminho que não sei qual é.
mas vou indo
vou indo até não dar mais pé
e quando esse momento chegar
vou estar tão longe de tudo
tão à mercê da própria realidade
que só me restará abrir os olhos
e
com sorte
abrir asas.
*
todos esses rostos aí
eles estão fingindo que entendem a vida.
acho que essa é a grande diferença:
eles riem da minha cara e dizem
“você é muito nova e ainda não entende nada”
porque acham que sabem muito
e eu balanço a cabeça e concordo
porque eu nunca soube de nada
e acho que esse não é o meu fim
pelo contrário
é agora
que eu estou
nascendo.