
Cinco poemas de Marcelo Adifa
Marcelo Adifa, paulista de Sorocaba. Roteirista, redator publicitário, engenheiro e jornalista. É autor de Exílio (2015/Penalux), A quem se fizer estrela (2016/Penalux) e Saltar vazio (2018/Penalux), entre outros. Os poemas aqui apresentados fazem parte do livro inédito Onde os elefantes dormem, a ser lançado em 2019.
***
cemitério de elefantes
as pernas pesadas
pegadas na alma
o peso da idade
das culpas, dos erros
no tropeçar de passos
declínio, desterro
andam em fila
fantasmas e homens
aspiram a poeira
no chafurdar o passado
se juntos, volume
sozinhos, pecados
conhecem o caminho
intuitivo sofrer
conhecem o declínio
e se deixam entregar
ao primeiro fraquejar joelhos
reúnem as forças,
redobram olhares
buscam no próximo
o que é ter norte, morrer
II
da terra espera-se o parir,
no descortinar dos corpos que engoliu
no remover a fina camada de pó e vida
que impôs morte acima às suas vítimas
da mentira, esta se processa
no ruminar solitário de quem a fabrica
enganando-se enquanto pensa fingir
como outro, que caminha sozinho
enganando-se,
enquanto pensa enganar
riem-se dele a caminho
da tragédia reservada
a todos que abraçam o delírio
III
andando nas ruas, cidade pálida,
em sua memória submersa em pó
o que é pegada logo escoa em fuga
frágil filamento de qualquer loucura
o maior dos elefantes inventa mentiras
e se afoga em areia que lhe toma narinas
percebe-se preso, falta-lhe nos pulmões
outrora vontade de destruir correntes
a idade consome entranhas, comendo-lhe
mesmo o couro além dos passos
que não domina – o cair é ouvido
IV
elefantes não aquecem terreno
investem no mover o peso
em vagarosa caminhada
arrastam os pés no prosseguir
que as noites permitem
encontram por companhia
outros imensos seres
que vivem
da ausência de sentimentos
do enganar respirar e se fingir em outro
ainda que os sinais lhes denunciem
projetam-se nas estrelas
quando, nada se vê neles que brilhe
massas disformes quase sem vida
*
avançar presságio
perceba os sinais
o trepidar e o pó
que a terra ascende
tecendo cortina
de moscas e areia
no avançar presságio
os colossais deslocam
tudo que se tenha
à frente e ao lados
fogem homens em seus carros
animais domésticos e cavalos
batem-se em disputa pelos céus
tudo que possua asas e persiga
a dianteira da derradeira fuga
ficam as flores tomadas de medo
em sua reverência à maior das bestas
que ensaia um pisar em tudo, o ar
move-se como um assopro doloroso
e as patas param em pouco, o átimo
fração de existir ou desintegrar-se
ele retira as flores do solo e as oferece
a outros de sua espécie sem dar-se conta
de ter matado a beleza que julgava salva
da besta até a delicadeza é torpe e assassina
e uma lágrima escorre sem fazer-se diferença
o animal sente,
mas não se convence
seu próximo movimento tem igual impacto
*
andar sem mais pressa
andar sem mais pressa que o corpo
cansado do carregar tempestades
sem no olhar a distância que nada
possa impedir a marcha, lenta jornada
vão, seguindo em manada
as regras da tarde,
espelhando o ouro
do sangue que é sol em falácia
no horizonte vermelho
que risca a estrada
sabem, do caminhar o destino
desde o dia em que nascem
e nascem de novo em suas chegadas
*
dançam duas sombras
dançam duas sombras, leveza
o luar acompanha o espetáculo
há nas dobras da noite punhado
de cada ser que na natureza
tenha experimentado o deitar
pois fica, onde a cabeça é cansaço
um pouco das lembranças de cada
arrastar de forças pelos caminhos
das árvores que temos que impor
a queda para o andar solitário
que nos impele além das florestas
que temos cultivadas em medo
e sempre há nas feras que esperam
o silêncio dos que já foram, pois
ao longe a manada não desperta
o mesmo temor de quando é por perto
e entre as dúvidas que se perdem
dançam e se abraçam, fina energia
duas sombras que se acabam
quando a madrugada perde-se vazia
*
jornada
e no caminho passaram por ossos
largas avenidas ladeadas de morte
à margem a espera, o grito das aves
dos seres da noite buscando carcaças
em que o coração trouxesse o pulsar
mortos que andam, caminham por perto
mãos dadas, o silêncio,
sem pressa
– o andar –
olhos vazados, cabeça abaixada
na boca a serpente que espalha inverdades
tomada de negro a entrada do abismo
pintada em seus muros
a face de quem a encara,
espelho em pecado
selando o destino
somos em nós a fome, o alimento
as mãos que abrem as portas do inferno