Cinco poemas de Marcelo Torres
Marcelo Torres nasceu em Pernambuco, na cidade de Palmares, no ano de 1984. Reside em São Paulo, na região do ABCD. Publicou Vertigem de telhados e nadar em cima da rua, ambos livros de poemas editados em 2015 pela Kazuá. Em 2017, lançou Páthos de fecundação e silêncio, livro de poemas editado pela Patuá. O autor ainda tem poemas publicados em antologias pelo Brasil e em revistas de literatura e cultura.
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AQUILÉGIA
A aquilégia
nesse E S T A D O
aparece com as cores
de uma catadora quando ainda
não tinha o rim rompido pelas antenas
na região temperada
tudo está descampado
e
a dureza
é a fria alma
compondo seus estribilhos marciais
a dialética do pastor
é ouvida por uma vaca de plástico
fica rugosa em vossa pança
a liberdade
dos meninos
que se colhem
gostosamente
ultravioleta
perfurando a: Flor-Arcana
macieiras
circuitos acesos
por sua carícia
colher cheia de sangue
como um xarope rútilo
o crematório do amor
inverte sua postura
fogo no homem enlouquecido
ascensão dos flagelos P O L Í T I C O S
eu quero a perereca
espatifando a jararaca
senil
para demonstrar
que é de fábulas
essa trajetória inútil
nem tudo senhor é penetrável
*
SEXTA-FEIRA É DIA DE RIMBAUD
Rimbaud na pista
morde as vulvas de negras
paus de camelos
exóticos no deserto
alturas
gingas
e
armas circulando nas tribos
a cuíca dilui o beijo do cupido
na batucada forjada
pelo orgasmo
mastigação cognitiva
serafins dourados de S A T Ã
grande boêmio
dançarino-deus dos conventos
transgredir após as 08 horas diárias
de nadar absorto
embutido nas várzeas
do inconsciente
onde Hermes vem buscar o verso
canibal
retirado da M O R I N G A
ele aceita os paralelepípedos
e
aponta Psiquê
na cozinha
resgatando Eros
em uma frigideira
*
A TERRA COM ESSES SENHORES
De corrupção/técnicas-víboras
esses senhores são feitos
aqui todo esse inferno
me custa a erudição
só tenho o vício
à revelia sem formosura
a cidade central
com suas calhas
canalhas no planalto
a favela pegando fogo
camarões ao molho
carniça instrumentada
penso – a face é surda
soco a brita
choro como uma mãe
que viu
seu primogênito
morto pela pólvora
uma pantera
cruza a mata
enquanto o rugido engasga
é natural a rocha
com furo
por onde passa a cobra coral
começo/recomeço
a delirar para habitar: A Terra
*
ELEVADO NADO NA RUA
Nesse desenlear
sequência de placas
incêndio na mata
na incidência
da idade deserta
toda essa combustão é dentro
pena/carmim
transitando
no perecível
caminhões projetam-se
do elevado
sob pássaros
que habitam jardins verticais
no castelinho
crime/bárbaro – encontro/felicidade
famílias
constroem
ruínas
para-choques
passam como cavalos
faiscantes
sobre a minhoca/concreto
eu tenho um crânio
inóspito
sem heranças
no meio fio – Buda serena-se
*
FASSBINDER OVER NIGTH EM 1982
O tempo é curto
o longa precisa
invadir o mundo
sua solidão chagada
necessita de muitos amores
conduzido pela sequência
enigmática do melodrama
beijaa todos
no balcão
com marinheiros
sem prêmios de loteria
deita com um bom
livro
quehá décadas está no teu bolso
xinga
o elenco como uma virgem
alcoólatra
desarticula-se com os conselhos
de tua mãe
Munique
quer seu roteiro debaixo
do tapete escuro
de seus óculos
fique nessa transa de westerns
durante o inverno
com os andróginos da Toscana/New York
muitas pessoas querem
matar suas películas
o veículo te aguarda
para uma noitada
no apartamento desalumiado
porém vai dormir
Rainer Werner Fassbinder
pois ninguém aguenta
18 horas de trabalho
durante três meses
de apuros
tudo em você pode ser amado?
encharca o imaterial
de narrativa
pois poderia ter sido conde
ter uma escultura
de sua jaqueta surrada
vendida por uma boa quantia
de dólares
antes de seu nariz
sangrar pela última vez
naquela noite de 1982