Cinco poemas de Márcia Elizabeti Machado de Lima
Márcia Elizabeti Machado de Lima tem 55 anos, é paranaense de Itaúna do Sul e mato-grossense de coração, há 34 anos residindo em Cáceres-MT. Graduada em Letras pela UNEMAT/Cáceres, professora efetiva no Ensino Básico da Rede Estadual e contratada da UNEMAT e da FAPAN. Mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP, com a dissertação intitulada O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago: escritura e transgressão; Doutora em Estudos Literários pela UNEMAT, com a tese Capitães da areia e cinco balas contra a américa: escritura, transgressão e militância em narrativas engajadas.
***
(Des) importâncias
O cansaço me ronda e
roda a cabeça,
o físico, o espírito…
Chocam-me perplexamente
o não doer-se pela dor alheia,
a banalidade das reações
frente a vidas ceifadas.
Ouço: esse, aquele, aquela
mereciam morrer, foram tarde…
Enquanto lamenta-se a morte de Um.
As lágrimas embaçam-me a visão,
atordoa-me o desejo de fazer
com que o outro sinta o mesmo,
compreenda que nenhuma vida
vale menos ou mais que outra…
Interrogo-me em que momento
tal ser perdeu a centelha de humanidade?
Por que caminhos trilhou pra estar
tão ressequido? Desespero-me…
As respostas não vêm!
O que posso eu, tão frágil, adicionar
a esse ser já tão esvaziado?
Ora falo, ora me calo….
Lembro o mestre Saramago,
convencer é colonizar o outro…
Perco-me em longas horas
de monólogo interior, como a tentar
explicar o inexplicável…
Doída pela melancolia que corrói,
deixo escapar o berro:
PERDI O SENSO DA NORMALIDADE?
*
Das incertezas contemporâneas
Há tempo Cecília já se perguntava
Em que espelho ficara a sua face…
De lá pra cá se esvaíram
Todas as respostas.
Dúvidas brotam aos borbotões:
De que matéria somos feitos?
Fomos líquidos.
Somos sólidos?
Solidificados?
Endurecidos?
Da liquidez denotativa
pré-embrionária
involuímos à conotação
de liquidez esparramada,
que apega e desapega-se
em efemeridades…
Desenraizados seres!
Dos mares de Camões
nunca dantes navegados,
haveria, ainda, ao menos
umazinha Ilha Desconhecida
como quis crer o mestre português?
Do relógio de Decartes
funcionando cartesianamente
implodimos em relatividades
Infinitas…
E salve-se quem puder!
Alteridade é linda no dicionário,
cá fora, só mais uma palavra
esvaziada
à espera de AÇÃO.
*
Desafios e fios desconexos
Vejo nos olhos dos meninos
Um misto de desejo
De aprender
De ser
Sem compreender…
A fome de ser
Não se sacia
Facilmente
Rasamente..
Engessados no sistema
Segue-se um programa.
A Academia por sua vez
Não cumpre o que se propõe.
Cadê o “belo” na literatura?
Com mensagens explícitas
Não se atinge a magia
Da arte da palavra
Que triste!
*
Entre construção e conflitos
Dito pelo poeta
“Antes que a morte vem
Nasce de vez
Para a vida”
Eis a encruzilhada:
Nascer/renascer
Estremecer
Sonhar
Desacreditar
Sonhar de novo?
Até quando?
Quantas poderemos ser
Em tão curta vida?
Que ora parece tão longa
Frente às injustiças
Que acendem
O desejo
De desapegar
Dessa existência….
Pela impotência
De salvar aos outros
Quando não salvamos
Nem a nós mesmos!
Terei eu o direito
De querer Ser
Quando tantos
Já não são?
*
Limites e deslimites de ser
O que sou além da superfície
que já não tenha sido à exaustão?
Ando com medo de mostrar-me…
Será que existe uma estranha em mim?
Se sim, qual será o caminho
Para descobrir-me?
Começa a atordoar-me a ideia
de morrer sem desvendar-me…
Em quantas vidas mais
terei que rasgar-me
Renascer…
Até que o mistério revele-se?
Seria eu uma caricatura de mim?
Uma pobre ideia do que eu poderia ser?
E se eu morresse amanhã
o que poderia constar no epitáfio?
Melhor, quem estaria autorizado
a escrevê-lo?
Alguém chegou a conhecer-me?
Ou conhecem as máscaras de mim?
Nenhum anjo torto dignou-se a dizer-me:
Vai ser isso, aquilo ou aquela…
Residiria aí o nó?
Corpo e alma não fizeram
as devidas conexões
pra viver sem um comando?
O corpo segue uma lei
A alma segue outra…
Chegará o dia em que conciliarão?
Ou só eterno tormento inconciliável?