cinco poemas de Marcio Tito
Marcio Tito. Formado em dramaturgia pela São Paulo Escola de Teatro, e fundador do coletivo Tragédia Pop de Teatro, atualmente Marcio Tito é editor de arte e cultura no site Deus Ateu.
Instagram: @marciotitop
***
Alguém beija os meus
sintomas e resolve
aguar o meu peito com
sentimentos eternos.
Pensa que com isso
a minha paixão violenta
desaparecerá do coração
e assim me salvará
dos infernos.
Resiste o verso
Resiste a faca.
e algum dia, sei
essa dor intensa e forte
será uma dor fraca!
numa tarde inexata
o verso (e não a faca!)
se transmutará na
figura de um anjo.
A figura de um anjo sem asas…
*
Somos fechadura
e chave em queda
livre no espaço vazio.
*
agora que você
me ignorou o bastante
e eu sumi o suficiente
e que por conta da morte certa
você mandou mensagem
e eu te eu respondi imediatamente
lembrei como é
que “a gente” é.
podemos outra vez
apagar as luzes e deixar o ar entrar
através das nossas janelas de silêncio.
agora que dissemos tão pouco
porque ficamos aflitos em não
dizermos nada antes do fim
podemos outra vez voltarmos
a fingir que não passamos anos
dias e noites soletrando “eu te amo”
contra o teto sombreado e as paredes frias.
*
O homem está morto.
Está caído e do peito
brota um crisântemo
que parece um lírio.
O vento viaja entre
os dedos dos pés
agora sem destino.
O cabelo levita
mas não desfia
(tomba em fitas).
As mechas gradeiam
a testa e os olhos encerrados.
A ventania simula trazer de volta
aquela vida perdida e o movimento
daqueles lábios calados.
O caule dança no peito.
Somente o caule está vivo.
Morreu mascando goma
barata de eucalipto.
O céu flutua. As nuvens rodopiam.
Há uma sequência de coisas vivas
que não mudam de rotina perante
a morte do homem que morreu
quase ali na esquina.
Morreu quase debaixo
da placa dupla entre as
duas ruas aonde ninguém para
mas todo mundo passa nos dias de chuva.
Uma criança encara o corpo.
Mas cadáver não tem cara.
Uma velha se abençoa
quando vê o morto
debaixo do lençol
que voa.
Parece transformado em muro.
Tudo o que por ele passaria…
agora esbarra no corpo duro.
Perdeu os direitos todos.
Está liberto daquela insistente rebeldia.
Porque perdeste também a vaidade…
junto com a perda de sua vida.
Perdeu o reflexo.
Perdeu o dialeto.
Perdeu o sexo.
Não detém mais a posse de todos
aqueles objetos outrora insubstituíveis.
O falecido não escuta.
Mas leio e releio estes versos
(ainda que estejamos no meio da rua).
– Eu não te escuto.
Ninguém te escuta.
Por quem insistes então
poeta filho da puta?
*
eu preciso saber o nome
dessa coisa que assombrava
murilo mendes e perseguia
roberto piva pela cidade
oxigenando demais o cerébro
de antonio abujamra da
mais tenra à mais morta idade
eu preciso saber
a cor da coisa
por ao menos
um minuto
eu preciso
durar na coisa
eu preciso caber um pouco mais
e um pouco menos
um pouco atoa
um pouco louco
e um pouco escarrado
sob a coisa
eu preciso encontrar a coisa
com os meus dedos
e chamá-la de mulher
eu preciso encontrar a coisa
e percebê-la tão homem quanto
eu preciso encontrar a coisa
ainda criança e dar-lhe um carro
saber se este objeto
realmente goza quando pilota ou pilotado
siron franco e ferreira gullar partilham da mesma coisa
e do mesmo vazio desencontrado
eu quero atormentar os filhos da coisa
botar a coisa em seu lugar
agarrar os teus braços de alumínio
iluminar as assombrações que a coisa enviou para o meu cep no último domingo
preparar sinais para que a coisa encontre o meu caminho caso me procure por alguma motivação de coisa
que desconheço
talvez a coisa seja o vazio
ou o vazio do mistério
talvez a coisa seja a eternidade
ou o tempo espaço colados na borda de uma lata de lixo sagrado
talvez a coisa venha
sem nome
pela falta de cartórios
Dentro Da Boceta Do Tempo
ROZANA gASTALDI cOMINAL
Que coisa! Versos cortantes! Afiadíssimos: “RESiste o verso. resiste a faca”. poeta qual um anjo de asas quebradas!