Cinco poemas de Mariana Paim
Mariana Paim nasceu no município de Tanquinho no ano de 1986. É doutoranda no programa Literatura e Cultura da Universidade Federal da Bahia e além de se dedicar a pesquisa literária, principalmente sobre as configurações da lesbianidade, ao magistério, a escrita literária e ao flerte com outras linguagens artísticas, milita em um coletivo feminista, o Coletivo de Empoderamento de Mulheres – FSA. Também é co-mediadora do Leia Mulheres e co-produtora do Ciclo de Oficinas em Escrita Criativa em Feira de Santana. Tem publicado poemas em antologias e revistas, publicou o livro artesanal serei-as: ou ensaio de um mergulho no âncora (2019), está trabalhando na produção de seu segundo livro, Ausência, e escreve ocasionalmente em https://medium.com/@marianapaim.
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The lovers
Hoje eu vi uma
fotografia branca,
[como essa página
nela um deserto de sal
preenchia todo o campo
não havia ninguém no horizonte
à vista
sem caminhos
apenas o branco do chão
refletido por todo o céu
Talvez seja isso o que reste
o solo estéril
das perdas
em meio as travessias
os planos
os danos
comuns
a paisagem
um imenso vazio
todo branco
Algumas vezes é preciso
cruzar a muralha da china
em outras talvez
o silêncio só
já diz
algo como um adeus
*
eu pensei que
quando estivéssemos
no futuro haveriam
carros planando
pelas ruas
[que acima do horizonte
seriam uma outra
espécie de caminho
que estaríamos com
trajes prateados e
iríamos nos alimentar
com aquelas cápsulas
dos filmes de astronautas
norteamericanos
que tudo o que era
ficção estaria aqui
ao alcance das mãos e
que nossos problemas de
agora seriam curiosidade
de algum tipo de enciclopédia
do passado mas
nós que vivemos
cinco décadas ainda
hoje somos algo
como uma versão de
umas três marias
tipicamente estranhas à
nova década de vinte e que
sabem que a despeito
do peso da inércia dos anos
a mudança
ainda
que lenta
sempre vem
*
depois de medirmos
a distância
com as mãos
dois continentes
não separam
mas antes
criam
um lugar
comum
em nós
e essa dificuldade
de dizer
aquilo que está
ali no meio
entre
tantas formas
que poderiam falar
disto
ou de todas as
palavras que talvez
não saibamos
para dizer
do mar
embora você não diga
nesse mundo
existem mais de
seis
mil línguas
quantas delas
já morreram e
quantas
possibilidades de
mundo se perderam
com elas
em silêncio
como agora
que sinto
que dentro
de mim
tudo é
ilha
e em você
também
*
A primeira vez que vejo o peso
da fotografia sobre a mesa
é também a primeira vez que calculo
e penso que o tempo nunca
é a medida exata da saudade
mas desse espaço
cheio de lacunas
que ficaram entre nós
Pela primeira vez penso
em dizer e
as palavras
lacrimejam
*
O não é a palavra mais selvagem
Reaprendo a ler todos
os dias e hoje
só sinto
pelo tempo
que foi de mim tirado
Troquei os móveis
por espaço
Não cozinho, lavo ou passo
e não divido contigo
nem a cama, só
durmo comigo, com
a Florbela Espanca e a Emily Dickinson
Moro e acordo nas palavras
e sigo amolando-as feito faca
sendo o não a mais
afiada