Cinco poemas de Matheus Felipo
Matheus Felipo nasceu em 1986, no interior de São Paulo. É formado em História pela Unesp. Escreve, tira fotos de bonecos e faz malabares como hobby.
***
[ioiô]
fuzilei o Supeman
para que deixasse os quadrinhos,
antes que os quadrinhos deixassem
Superman.
Lego, pra mim, se tem sentido,
me estorva muito.
sempre foi assim, desde garoto.
vou juntando as peças, Lego por Lego,
absurdamente.
o que forma é o que sinto.
invejo os imbecis,
os mongoloides
e os estúpidos.
vou juntar estupidez e depois distribui-la
a quem não quer estupidez,
a quem prefere estupidez longe.
assisto Scooby-Doo,
a Velma, o Salsicha,
a Daphne Blake
com suas pernas assistíveis.
ninguém sabe a beleza das gangues,
das brigas de rua, somente eu.
me conformei, há muito tempo,
que mijarei pra sempre.
senão, viver seria difícil, sabe.
todo dia ingiro Budweiser
e penso em abater um Sputnik.
seria lindo um Sputnik espatifado
lindo espatifando
lindo espatifarás
eu ensinei Burnquist a andar de skate.
quer dizer, ensinei como se fala andar de skate.
andar de skate se fala andar de skate.
o Circo de Soleil é tedioso.
falta um tédio maior,
um tédio que supere o tedioso,
nas suas atrações.
meu sonho é que as mães sejam prostitutas,
uma vez por mês.
a cadeira-elétrica deveria ter nas casas,
no quarto, meu sonho também.
ao invés de vencer na vida,
passei os anos contemplando bonecos,
acertando ioiô nas pessoas blasé.
*
[língua de sogra]
serei reconhecido, notável,
se eu levar um bujão de gás pra ver
o mundo.
‘serei caminhoneiro’, disse pra minha vó,
quando me perguntou o que eu seria.
serei caminhoneiro que come putas de estrada, cheira pó,
nunca tá com a família e polui.
assopro língua de sogra
e me divirto com a minha sogra
que não tem língua,
mas assopra.
meu caminhão
tem placa amarela.
os caminhões dos meus amigos também têm placa amarela.
a polícia anda nos perseguindo.
placa amarela é contra a constituição
dá cadeia, processo duro,
código penal, advogado, enfim, coisas de direito
mas eu não vou ceder,
a constituição que se foda,
não vou passar a ter placa cinza.
a placa cinza que fique sem meu passar.
eu sou um sobrevivente, ainda escuto ‘é o tchan’.
eu disse a minha vó
que na minha época, o país tinha mais cultura.
Beto Jamaica e Compadre Washington
ensinaram o Brasil inteiro que torto nunca se endireita,
com a letra ‘pau que nasce torto nunca se endireita’.
nunca se endireita eu achava folclore.
bastava a vida dar umas pancadas,
uns pontapés,
que endireitava o nunca se endireita.
eu estava errado, é nunca mesmo
gosto de galinhas
de ver estádio pegar fogo
do Charlie Brown tropeçando
desses, gosto mais das galinhas, porque elas comem ração.
quem come ração vem em primeiro lugar,
quem não come, ora, vem no lugar que não é o primeiro.
serei reconhecido, notável,
se eu levar um bujão de gás pra ver
o mundo.
*
[Barbie]
Barbie perdeu popularidade. as crianças preferem outro brinquedo: tablete, celular, por exemplo. perdeu também a doçura, um LSD que a faz perder o perdeu. à noite, Barbie me manda nudes.
peço que não mostre a bucetinha.
não consigo ver bucetinha, desde que vi, quando criança, a da minha prima, e achei que era um machucado. não me mostre. o me mostre, para mim, é machucado também.
discutíamos o cofre de porquinho, lembra, Barbie? o porco é o símbolo da difusão, você me disse, porque se multiplica em milhão. eu concordei.
te disse:
cofre é pra poupar dinheiro,
poupe-o no objeto símbolo da difusão. se cada moeda se difundir que nem porco,
tá bom.
o futuro chegou. o cofre de porquinho tá igual. eu e você mudamos.
eu e você não discutimos mais
o cofre de porquinho.
*
[vogue]
nunca li um livro, nunca. mas já folheei a vogue
e achei incrível folhear.
folhear e ler são as mesmas coisas:
usa os olhos pra ver.
a vogue fala de moda, beleza,
aborda decoração, modelos. uau, modelos!
como são impecáveis as modelos.
desfilam poses épicas, passos épicos,
roupas épicas. tudo que significa,
que tem apelo, que seja épico,
eu vi na vogue.
a vogue me moldou, pra eu
ser impecável e épico.
*
[mtv]
comíamos sucrilhos
o gosto azedo, ácido, vencido há dias
adorávamos sucrilhos assim
assistíamos mtv
os comerciais da mtv são estúpidos
por isso celebro-os
celebro tudo que é estúpido
você dizia
lançávamos massinha modelada um no outro
eu te roxeava
e você achava legal
te falava que as fotos abatem a solidão
te falava as regras do baseball
os tazos
as moscas
te falava tanta coisa
ironizávamos a cultura
fitávamos um ao outro, usando luneta
‘um bottom é exuberante, a vida nem tanto’,
você lembra?
íamos a loja de toys
loja de toys parece museu
crescer não é evitar a infância
você dizia
lembra quando deparamos com um pintor
acho que é Andy Warhol
o nome dele
na loja de toys, o acertei com bonecos
Andy morreu na hora
nos divertimos neste dia
você gostou que Andy morreu
você me invejou
lembra que descemos à rua, no carrinho de rolimã
desabamos e ficamos no chão
mutilados
sangrando
mas felizes, vendo o pôr do sol