Cinco poemas de Milton Rosendo
Milton Rosendo nasceu em Maceió, em 1974. É doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal de Alagoas. Já publicou os seguintes livros: Os Moinhos (Edufal, 2009), Caos-Totem (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016) e participou da coletânea Amores Ébrios (Trajes Lunares, 2017). Em breve, trará a público o volume de traduções Não Pertence a. Os poemas a seguir são todos inéditos.
***
Leopardos
Hipótese de abadia adiante em dó maior –
Alguns galhos de olmo profere o nanquim –
Mancha talvez de carpa no torso do córrego –
Transversal e silenciosa a dor bebe o vento
*
Um pintor atenta para o ruído das cores
• O amarelo enegrecido a golpes de espátula: o casario
rumina a seiva do verão e o alarido dos pássaros.
A golpes de espátula: o epílogo de uma antiga amizade.
Das pedras espoca a textura de um adágio.
• O rápido martírio do verde em transição –
cicia cricrila zumbe.
E a caminhante no ermo da estrada – sonata para o nada.
A luz atravessa a cena da esquerda para a direita;
algum sombreado com sua tache se avoluma em bemol.
• Há uma roxidão nos abraços. No olhar perdido dos amantes.
• Vermelhos rangem. O ocre e o verde espesso são tristes violinos.
A terceira mulher – mais azul e ao fundo – é um eco
do céu que se despedaça.
• Ele anota em seu caderno: a acústica das cores oscila
entre o sândalo e um grave acidente automobilístico.
*
Verão submerso
O índigo tolda anseios
orvalha
sempre lá
chispas
de branco-azulado
Uma lua emagrece
ao longo da lagoa
Pastor
de nuvens
o vento
menino
soltando pipas
tropeça
em longas notas musicais
Agora o vermelho
sinal de trânsito fechado
uns adolescentes
correm por ali
parece que fizeram algo
de errado
O que ficamos sem saber
do céu
se esconde por detrás
daquela macieira
*
Jeune homme nu assis au bord du chaos
Com os braços cruzados sobre as pernas –
os braços mastros quebrados pela tormenta
uma quarta-feira pela manhã
de um dia não
um trampolim para a morte O coração
os braços barcos de branca embriaguez
a matemática celeste Os olhos como ilhas
os braços lassos aves de origami
os braços um março que jamais teve fim
as pernas éguas brancas saltando
as pernas silêncio escorrendo para a terra
as pernas Qual o nome do mar quando se quebra
as pernas Allan sem atender o telefone
as cartas glosam sobre mãos que não se tocam
as cavernas de onde se vê
o amor e outras sombras
ele sem pressa de recolher do chão
as estrelas da noite anterior
o jornal esvoaça como um falso albatroz
tudo o que se pode viver
uma latitude entre o talvez e o já-não-mais
*
Romance
Capítulo 1, 6º parágrafo, em que
se vasculham gavetas, contas, velhos livros.
“Não estou gostando nada disso!”, exclama.
Eram dias de vento, estrondar de janelas.
33º parágrafo, anda pela alameda.
Há a incidência de tempestades solares.
Capítulo 9, 15º parágrafo, beijam-se.
O avô caminha por entre os girassóis.
Capítulo 43, no final do 14º parágrafo,
está falido, sem rumo, e a mulher, morta.
Retira do maço a carta do Enforcado.
Inverno. A prostituta lhe sorri. Chove.
Faz frio, muito frio. Bebe algo amargo.
Apoia-se nos corrimões, mudo, e espera.